Traduzir plasticamente um texto
Valérie Linder
Tradução de Maria Cristina Neves Córdova
Artista plástica, professora, escritora-poeta, ilustradora de livros, | VALÉRIE LINDER | vive em Clisson (França).
O seguinte texto, escrito especialmente para este site, tem origem numa conversa em torno das similaridades
entre os gestos de ilustrar e traduzir. As imagens são de livros ilustrados por ela.
Para traduzir o texto que um autor me confia, preciso deixá-lo caminhar em mim, habitá-lo, digeri-lo, compreendê-lo profundamente. Até encontrar uma linguagem, um ponto de ataque. Procuro capturar uma ideia, uma intenção, uma atmosfera global. Analiso o texto intelectualmente e tento sentir o que ele me provoca visceralmente.
Apropriar-me do texto de outra pessoa, decidir estar mais ou menos próxima dele. Não trair e, ao mesmo tempo, não cair no mimetismo chapado da palavra por palavra. Ensaiar diversas pistas de traduções. Da mais figurativa à mais abstrata, da mais evidente à mais desconcertante.
O que me interessa na ligação texto-imagem é a fagulha, o disparador que o texto aciona em mim. Ele põe em funcionamento uma pequena fábrica de imagens em minha cabeça. Eu então me pergunto o que poderá soar preciso, sem facilidades e sem repetições de algo que já fiz.
Quais as ferramentas para traduzir o tema central, a ideia diretiva que percebo no texto? Nunca pergunto ao autor o que ele quer dizer ou o que deseja. Devo ter minha própria compreensão para imaginar algo de autêntico. Tenho a sorte de trabalhar livremente com a possibilidade de pensar numa ideia. Num segundo momento, posso evidentemente modificar as coisas, colocar em dúvida o resultado desta etapa.
Não ser neutra e, simultaneamente, não pesar, ter um olhar, uma intenção, encontrar um equilíbrio sem ser óbvio. Continuar minhas pesquisas, meu caminho e, concomitantemente, me colocando a serviço do trabalho de um autor.
Acontece de eu encontrar, a partir das primeiras pesquisas, um tom que me parece corresponder. Ainda tenho, então, que aprofundar, rejeitar, enriquecer, fazer um todo coerente, dando vez às rupturas e ao inesperado. Criar um conjunto em ressonância, uma partitura ora em paralelo, ora entremeada com o texto, ora como uma mera piscadela. Há diferentes níveis de tradução e de interpretação.
Procurar ser pessoal em minhas respostas não significa procurar ser original. O ideal seria uma noção de precisão. Duas partituras tendo suas vidas independentes com alguns pontos de junção.
Desejo que minhas imagens limitem o menos possível o imaginário do leitor, afim de que elas não deem as “soluções” do texto. Como não reprimir as livres imagens do leitor? As imagens deveriam então ser precisas, ricas e complexas, e simultaneamente fluídas, não acabadas. Alguma coisa deve estar incompleta, surpreender suavemente, não estar resolvida, certa. Busco este aspecto flutuante, o breve transbordamento, para deixar o leitor entrar na página.
Minhas imagens vão, às vezes, evocar os símbolos, os arquétipos. Elas não são espetaculares, para não ocupar demais o espaço, atrapalhar o texto.
Não busco a demonstração de um savoir-faire, desejo que tudo tenha um ar evidente e espontâneo, e ainda assim guardando um mistério. Não procuro o estilo, mas uma escrita plástica que pareça corresponder, no momento de meu percurso, o mais exatamente possível ao texto. Não fico em paz enquanto não consigo isto.
Por vezes o processo de tradução é longo. Semanas, meses, para me render à evidência de uma pista falsa. Existe a armadilha da literalidade. Às vezes, tem-se de ir adiante para se libertar dela. Encerrado o capítulo da literalidade, começo a respirar melhor, nutrida, no entanto, desta experiência às vezes malfadada. Vejo emergir os elementos essenciais. É um caminho pelo qual sou obrigada a passar.
Quando minhas imagens são impressas, trata-se então de uma segunda tradução. Por vezes fieis ou melhores, por vezes desapontadoras quanto à tradução dos materiais e das cores.
© Valérie Linder, 2014.
© Tradução: Maria Cristina Neves Córdova, 2016.
Reprodução proibida