Reflexões e Máximas

Marquês de Vauvenargues


Tradução: Hély de Bruchard







... thinke that I
Am, by being dead, Immortal.

(John Donne)


Hély de Bruchard (1966-1991)
não viveu a tempo de ver publicada sua tradução
das Réflexions et Maximes.

À sua memória é dedicada esta edição.






As Reflexões e Máximas de Vauvenargues foram publicadas em 1995 pela Editora Paraula, numa edição bilíngue dedicada à memória de seu tradutor, com prefácio de Walter Carlos Costa e revisão de Leticia Rebollo Couto.
Em 2006, foram reeditadas pela Editora da Unesp, a qual, errônea e lamentavelmente, atribuía a tradução a Dorothée de Bruchard. De modo que reproduzimos aqui, em respeito à memória de seu tradutor, a obra tal como foi publicada originalmente pela Paraula.
O texto original é o da segunda edição (1747), publicada dois meses após a morte de Vauvenargues: o autor havia revisado integralmente a primeira edição (1746), eliminando inclusive boa parte das máximas. (Essas máximas eliminadas foram retomadas na edição da Unesp, traduzidas por Fúlvia Moretto)
.







Uma lição de autonomia

Walter Carlos Costa


Reflexões e Máximas é o texto mais conhecido de Vauvenargues e o principal responsável por sua inclusão no cânon das letras da França. O texto segue o formato de coletâneas semelhantes reunidas por La Rochefoucauld e La Bruyère, entre outros. Apesar dos muitos pontos comuns que o unem a estes dois autores, Vauvenargues possui um perfil próprio no conjunto dos chamados moralistas franceses.

Um primeiro traço surpreendente é que esta obra, plena de pensamento maduro, não foi escrita por um velho, mas por um jovem antes dos 30 anos de idade. Vauvenargues, seguindo as tradições da nobreza, engaja-se cedo nas atividades militares. De 1733, quando completa 18 anos, até 1744 ele serve no exército francês, participando de campanhas na Itália (onde se distingue), na Boêmia (em cuja retirada tem suas pernas congeladas) e na Alemanha (onde amarga outra derrota e vê sua saúde piorar). Aos 29 anos o capitão Vauvenargues desiste da carreira militar e faz algumas gestões para ser nomeado a um posto diplomático. Quando está prestes a conseguir o novo emprego, contrai varíola, doença que lhe deixa seqüelas irreversíveis. Vauvenarges sabe, então, que lhe resta pouco tempo de vida e decide dedicar-se por inteiro à produção intelectual. Instala-se em Paris e durante os três anos que antecedem sua morte em 1747 leva uma vida reclusa, devotada à reflexão. Avesso a mundanidades e acometido de um sentimento de urgência extrema, mantém esparsos contatos pessoais, principalmente com Voltaire, com quem tinha iniciado um intercâmbio epistolar em 1743.

Se em outros escritos ele excele na crítica literária independente, nas máximas ele retoma a força do pensar-por-fragmentos dos pré-socráticos, refletindo por conta própria a partir dos dados da experiência, sem se deixar intimidar pela autoridade dos autores consagrados. Cada idéia exposta parece ter sido examinada, sem pressa, sob vários ângulos e muitas vezes diferentes máximas iluminam facetas aparentemente contraditórias, mas na verdade complementares, de um fenômeno. O tom sereno, tão distante do tom professoral ou dramático de outros moralistas, lembra o de Spinoza com sua aceitação do mundo como ele é e seu esforço tenaz por desvelar as regras de seu funcionamento. A consciência dos limites inerentes à condição humana não desemboca, como em muitos, em um pessimismo ressentido, mas em um afável e temperado otimismo.

Em Vauvenargues, a meditação sobre o indivíduo e suas idiossincrasias se liga, harmonicamente, à sua meditação sobre a política, a sociedade, a literatura. Sem sentimentalismo e com senso de justiça, as máximas contêm germes de uma teoria política (semelhante às de Machiavelli e Hobbes), e parecem anunciar os movimentos democráticos posteriores, com sua ênfase recorrente no mérito pessoal. As máximas parecem igualmente impiedosas com opressores e oprimidos, nos quais a inteligência de Vauvenargues enxerga os mesmos defeitos e qualidades de base.

Sua fortuna crítica tem variado bastante nos últimos três séculos, embora sua importância tenha sido reconhecida de imediato. Esta instabilidade em seu prestígio, que se reflete em sua virtual exclusão das atuais antologias escolares, parece originar-se no fato de ele não integrar-se totalmente nas correntes intelectuais e nos modos de escrita dominantes em seu país e em seu tempo. De fato, Vauvenargues afasta-se, em mais de um aspecto, das normas hegemônicas no pensamento francês de ontem como de hoje.

O autor das Reflexões e Máximas faz figura de cavaleiro solitário em muitos sentidos. Se é certo que ele afirma valorizar, acima de tudo, a clareza, um tópico na tradição letrada da França, a consulta constante aos dados da realidade o aproxima do estilo inglês. Ao invés de tentar encaixar os fenômenos em um esquema abstrato pré-definido, Vauvenargues recolhe as observações da experiência imediata para trabalhá-las com sólidas ferramentas intelectuais que foi aperfeiçoando, como autodidata, ao longo dos anos. Suas reservas ao poder ilimitado da razão e às vantagens do progresso — que tanto entusiasmaram sua época e que atingiram o seu apogeu no século passado — fazem dele um pensador extremamente atual.

Essa modernidade — melhor seria dizer a eternidade — de Vauvenargues espanta. No século das Luzes permaneceu saudavelmente cético em relação a qualquer aperfeiçoamento da natureza do ser humano. Como Spinoza, dedicou-se mais a compreender do que a indignar-se, embora a indignação aflore em alguns trechos. Sua meditação sobre a história leva-o a ver uma alternância entre barbárie e civilização e não um progressivo e definitivo triunfo da segunda sobre a primeira.

Os limites da razão, que os séculos seguintes comprovariam de maneira trágica, são insistentemente ressaltados pelo autor das Reflexões e Máximas. A própria razão seria resultado dos sentimentos, como diz a célebre máxima citada repetidas vezes por Schopenhauer em seu Mundo como Vontade e Representação e outros escritos: “Os grandes pensamentos vêm do coração.” Precisamente uma das idéias centrais desenvolvidas no livro, já defendida por Montaigne, é que se ganha mais organizando a mente do que a abarrotando de informações. Em uma dessas metáforas cintilantes que abundam no texto, Vauvenargues compara o erudito com “um homem que digere mal e é voraz”, imagem que seria retomada e desenvolvida por Schopenhauer em suas considerações sobre o ato de ler.

Este defensor do sentimento, que anuncia Rousseau e os românticos, não se deixa levar pelo sentimentalismo e sua análise psicológica é forte e fina. Suas observações mais interessantes dizem respeito às ilusões que construímos em relação aos outros e, sobretudo, em relação a nós mesmos. Alguns dos conceitos-chave que fariam a fama futura de disciplinas como a psicanálise já se encontram, expressos de forma concisa, nestas reflexões e máximas.

Vauvenargues tinha plena consciência de que seu livro não era de fácil digestão, embora de leve leitura e de sempre proveitosa releitura. Ao enviar o livro a seu amigo Villevieille, observou: “Leia este livro com calma; não é daqueles que a gente entende rápido.”






I.
Il est plus aisé de dire des choses nouvelles que de concilier celles qui ont été dites.

É mais fácil dizer coisas novas do que conciliar as que já foram ditas.


II.
L'esprit de l'homme est plus pénétrant que conséquent et embrasse plus qu'il ne peut lier.

O espírito humano é mais penetrante do que conseqüente, e engloba mais do que é capaz de encadear.


III.
Lorsqu'une pensée est trop faible pour porter une expression simple, c'est la marque pour la rejeter.

Quando uma idéia é fraca demais para suportar uma expressão simples, é sinal de que deve ser rejeitada.


VI.
La clarté orne les pensées profondes.

A clareza embeleza os pensamentos profundos.


V.
L'obscurité est le royaume de l'erreur.

A obscuridade é o reino do erro.


VI.
Il n'y aurait point d'erreurs qui ne périssent d'elles-mêmes, rendues clairement.

Não há erros que não pereçam por si próprios, se claramente expressos.


VII.
Ce qui fait souvent le mécompte d'un écrivain, c'est qu'il croit rendre les choses telles qu'il les aperçoit ou qu'il les sent..

O que freqüentemente ilude um escritor é ele pensar que reproduz as coisas tal como as percebe ou sente.


VIII.
On proscrirait moins de pensées d'un ouvrage, si on les concevait comme l'auteur.

Condenaríamos menos ideias numa obra se as concebêssemos como o autor.


IX.
Lorsqu'une pensée s'offre à nous comme une profonde découverte, et que nous prenons la peine de la développer, nous trouvons souvent que c'est une vérité qui court les rues.

Quando uma ideia nos aparece como profunda descoberta, e nos damos ao trabalho de desenvolvê-la, não raro percebemos que é uma verdade de domínio público.


X.
Il est rare qu'on approfondisse la pensée d'un autre; de sorte que s'il arrive dans la suite qu'on fasse la même réflexion, on se persuade aisément qu'elle est nouvelle, tant elle offre de circonstances et de dépendances qu'on avait laissées échapper.

É raro aprofundarmos o pensamento do outro; de modo que, acaso mais tarde façamos a mesma reflexão, facilmente nos convencemos de que é nova, tantas são as circunstâncias e correlações que ela apresenta e tínhamos deixado escapar.


XI.
Si une pensée ou un ouvrage n'intéressent que peu de personnes, peu en parleront.

Se uma ideia ou uma obra só interessam poucas pessoas, poucas irão comentá-las.


XII.
C'est un grand signe de médiocrité de louer toujours modérément.

É um grande sinal de mediocridade elogiar sempre com moderação.


XIII.
Les fortunes promptes en tout genre sont les moins solides, parce qu'il est rare qu'elles soient l'ouvrage du mérite. Les fruits mûrs, mais laborieux, de la prudence sont toujours tardifs.

As fortunas rápidas de todo tipo são as menos sólidas, pois raramente são obra do mérito. Os frutos maduros, porém laboriosos, da prudência são sempre tardios.


XIV.
L'espérance anime le sage et leurre le présomptueux et l'indolent, qui se reposent inconsidérément sur ses promesses.

A esperança anima o sábio e engana o presunçoso e o indolente, que levianamente descansam em suas promessas.


XV.
Beaucoup de défiances et d'espérances raisonnables sont trompées.

Muitas desconfianças e esperanças razoáveis acabam frustradas.


XVI.
L'ambition ardente exile les plaisirs dès la jeunesse pour gouverner seule.

A ambição ardente exila os prazeres desde a juventude para reinar soberana.


XVII.
La prospérité fait peu d'amis.

A prosperidade faz poucos amigos.


XVIII.
Les longues prospérités s'écoulent quelquefois en un moment, comme les chaleurs de l'été sont emportées par un jour d'orage.

As longas prosperidades se esvaem às vezes num só instante, como o calor do verão é varrido por um dia de temporal.


XIX.
Le courage a plus de ressources contre les disgrâces que la raison.

A coragem possui, ante as desgraças, mais recursos que a razão.


XX.
La raison et la liberté sont incompatibles avec la faiblesse.

A razão e a liberdade são incompatíveis com a fraqueza.


XXI.
La guerre n'est pas si onéreuse que la servitude.

A guerra não é tão custosa quanto a servidão.


XXII.
La servitude abaisse les hommes jusqu'à s'en faire aimer.

A servidão rebaixa os homens até fazer-se amar por eles.


XXIII.
Les prospérités des mauvais rois sont fatales aux peuples.

A prosperidade dos reis ruins é fatal para os povos.


XXIV.
Il n'est pas donné à la raison de réparer tous les vices de la nature.

Não é dado à razão consertar todos os vícios da natureza.


XXV.
Avant d'attaquer un abus, il faut voir si on peut ruiner ses fondements.

Antes de atacar uma injustiça há que ver se conseguimos arruinar seus alicerces.


XXVI.
Les abus inévitables sont des lois de la nature.

As injustiças inevitáveis são leis da natureza.


XXVII.
Nous n'avons pas droit de rendre misérables ceux que nous ne pouvons rendre bons.

Não temos o direito de tornar infelizes aqueles que não podemos tornar bons.


XXVIII.
On ne peut être juste si on n'est pas humain.

Não se pode ser justo sem ser humano.


XXIX.
Quelques auteurs traitent la morale comme on traite la nouvelle architecture, où l'on cherche avant toutes choses la commodité.

Alguns autores tratam a moral como é tratada a nova arquitetura, na qual se busca, antes de tudo, a comodidade.


XXX.
Il est fort différent de rendre la vertu facile pour l'établir, ou de lui égaler le vice pour la détruire.

Há uma grande diferença entre tornar a virtude fácil para consolidá-la e igualá-la ao vício para destruí-la.


XXXI.
Nos erreurs et nos divisions dans la morale viennent quelquefois de ce que nous considérons les hommes comme s'ils pouvaient être tout à fait vicieux ou tout à fait bons.

Nossos erros e divergências em moral advêm, às vezes, de considerarmos os homens como se fossem inteiramente viciosos ou inteiramente bons.


XXXII.
Il n'y a peut être point de vérité qui ne soit à quelque esprit faux matière d'erreur.

Talvez não exista verdade que não seja, numa mente equivocada, matéria para erro.


XXXIII.
Les générations des opinions sont conformes à celles des hommes, bonnes et vicieuses tour à tour.

As gerações de opiniões são, como as dos homens, alternadamente boas e viciosas.


XXXIV.
Nous ne connaissons pas l'attrait des violentes agitations. Ceux que nous plaignons de leurs embarras méprisent notre repos.

Desconhecemos o atrativo das agitações violentas. Aqueles cujas dificuldades lamentamos desprezam nosso descanso.


XXXV.
Personne ne veut être plaint de ses erreurs.

Ninguém quer que se compadeçam com seus erros.


XXXVI.
Les orages de la jeunesse sont environnés de jours brillants.

Os temporais da juventude são cercados de dias luminosos.


XXXVII.
Les jeunes gens connaissent plutôt l'amour que la beauté.

Os jovens conhecem mais o amor que a beleza.


XXXVIII.
Les femmes et les jeunes gens ne séparent point leur estime de leurs goûts.

As mulheres e os jovens não separam o afeto do gosto.


XXXIX.
La coutume fait tout, jusqu'en amour.

O hábito é tudo, até no amor.


XL.
Il y a peu de passions constantes; il y en a beaucoup de sincères: cela a toujours été ainsi. Mais les hommes se piquent d'être constants ou indifférents, selon la mode, qui excède toujours la nature.

Existem poucas paixões constantes; existem muitas sinceras: sempre foi assim. Mas os homens se gabam de ser constantes ou indiferentes, conforme a moda, que sempre excede a natureza.


XLI.
La raison rougit des penchants dont elle ne peut rendre compte.

A razão se envergonha das inclinações que não consegue justificar.


XLII.
Le secret des moindres plaisirs de la nature passe la raison.

O segredo dos mínimos prazeres da natureza ultrapassa a razão.


XLIII.
C'est une preuve de petitesse d'esprit, lorsqu'on distingue toujours ce qui est estimable de ce qui est aimable. Les grandes âmes aiment naturellement qui est digne de leur estime.

É uma prova de estreiteza de espírito distinguir sempre o estimável do amável. As grandes almas amam naturalmente o que é digno de sua estima.


XLIV.
L'estime s'use comme l'amour.

O afeto se desgasta como o amor.


XLV.
Quand on sent qu'on n'a pas de quoi se faire estimer de quelqu'un, on est bien près de le haïr.

Ao sentir que não conseguimos fazer com que alguém nos estime, estamos bem perto de odiá-lo.


XLVI.
Ceux qui manquent de probité dans les plaisirs n'en ont qu'une feinte dans les affaires. C'est marque d'un naturel féroce, lorsque le plaisir ne rend point humain.

Aqueles a quem falta probidade nos prazeres, apenas a simulam nos negócios. É sinal de um temperamento feroz, o prazer não tornar humano.


XLVII.
Les plaisirs enseignent aux princes à se familiariser avec les hommes.

Os prazeres ensinam os príncipes a se familiarizar com os homens.


XLVIII.
Le trafic de l'honneur n'enrichit pas.

O tráfico da honra não enriquece.


XLIX.
Ceux qui nous font acheter leur probité ne nous vendent ordinairement que leur honneur.

Os que nos fazem comprar sua probidade geralmente só nos vendem sua honra.


L.
La conscience, l'honneur, la chasteté, l'amour et l'estime des hommes sont à prix d'argent. La libéralité multiplie les avantages des richesses.

A consciência, a honra, a castidade, o amor e a estima dos homens valem ouro. A liberalidade multiplica as vantagens das riquezas.


LI.
Celui qui sait rendre ses profusions utiles a une grande et noble économie.

Quem sabe tornar útil sua prodigalidade possui uma grande e nobre economia.


LII.
Les sots ne comprennent pas les gens d'esprit.

Os tolos não compreendem as pessoas de espírito.


LIII.
Personne ne se croit propre, comme un sot, à duper les gens d'esprit.

Ninguém, mais que um tolo, se acha capaz de enganar um homem de espírito.


LIV.
Nous négligeons souvent les homrnes sur qui la nature nous donne quelque ascendant, qui sont ceux qu'il faut attacher et comme incorporer à nous, les autres ne tenant à nos amorces que par l'intérêt, l'objet du monde le plus changeant.

Não raro descuidamos dos homens sobre os quais a natureza nos deu certa ascendência, que são aqueles que devemos prender e como que incorporar, já que só atraímos os outros pelo interesse, o mais mutável objeto do mundo.


LV.
Il n'y a guère de gens plus aigres que ceux qui sont doux par intérêt.

Não há pessoas mais azedas do que as que são doces por interesse.


LVI.
L'intérêt fait peu de fortunes.

O oportunismo faz poucas fortunas.


LVII.
Il est faux qu'on ait fait fortune lorsqu'on ne sait pas en jouir.

É falso termos feito fortuna se não sabemos gozá-la.


LVIII.
L'amour de la gloire fait les grandes fortunes entre les peuples.

O amor pela glória faz as grandes fortunas entre os povos.


LVIV.
Nous avons si peu de vertu que nous nous trouvons ridicules d'aimer la gloire.

Possuímos tão pouca virtude que nos sentimos ridículos por amar a glória.


LX.
La fortune exige des soins. Il faut être souple, amusant, cabaler, n'offenser personne, plaire aux femmes et aux hommes en place, se mêler des plaisirs et des affaires, cacher son secret, savoir s'ennuyer la nuit à table et jouer trois quadrilles sans quitter sa chaise: même après tout cela on n'est sûr de rien. Cornbien de dégoût et d'ennuis ne pourrait on pas s'épargner si on osait aller à la gloire par le seul mérite!

A fortuna exige cuidados. Precisamos ser flexíveis, divertidos, maquinar, não ofender ninguém, agradar as mulheres e os homens de destaque, tomar parte nos prazeres e nos negócios, guardar nosso segredo, saber nos entediar à mesa de noite, e jogar três quadrilhas sem levantar da cadeira: mesmo depois disto tudo, não temos nenhuma certeza. Quanto desgosto e aborrecimento nos pouparíamos se ousássemos chegar à glória só pelo mérito!


LXI.
Quelques fous se sont dit à table: il n'y a que nous qui soyons bonne compagnie; et on les croit.

Alguns loucos se disseram à mesa: só nós somos bons; e os outros acreditam.


LXII.
Les joueurs ont le pas sur les gens d'esprit, comme ayant l'honneur de représenter les gens riches.

Os atores levam a vantagem, sobre as pessoas de espírito, de ter a honra de representar pessoas ricas.


LXIII.
Les gens d'esprit seraient presque seuls sans les sots qui s'en piquent.

As pessoas de espírito estariam quase sozinhas não fossem os tolos que se gabam de sê-lo.


LXIV.
Celui qui s'habille le matin avant huit heures pour entendre plaider à l'audience ou pour voir des tableaux étalés au Louvre, ou pour se trouver aux répétitions d'une pièce prête à paraître, et qui se pique de juger en tout genre du travail d'autrui, est un homme auquel il ne manque souvent que de l'esprit et du goût.

Aquele que, de manhã, se veste antes das oito para escutar os pleitos na audiência, olhar quadros expostos no Louvre, ou estar presente nos ensaios de uma peça prestes a estrear, e que se diz capaz de julgar todo gênero de trabalho alheio, é um homem a quem, não raro, falta apenas bom gosto e espírito.


LXV.
Nous sommes moins offensés du mépris des sots que d'être médiocrement estimés des gens d'esprit.

Nos ofendemos menos pelo deprezo dos tolos do que por sermos medianamente estimados pelas pessoas de espírito.


LXVI.
C'est offenser les hommes que de leur donner des louanges qui marquent les bornes de leur mérite; peu de gens sont assez modestes pour souffrir sans peine qu'on les apprécie.

É ofender os homens fazer elogios que marquem os limites de seu mérito; são poucas as pessoas suficientemente modestas para suportar sem problemas a apreciação dos outros.


LXVII.
Il est difficile d'estimer quelqu'un comme il veut l'être.

É difícil estimar uma pessoa como ela o deseja.


LXVIII.
On doit se consoler de n'avoir pas les grands talents, comme on se console de n'avoir pas les grandes places. On peut être au dessus de l'un et de l'autre par le coeur.

Temos de nos consolar por não possuirmos os grandes talentos, como nos consolamos por não ocuparmos as altas posições. É possível estar acima de ambos pelo coração.


LXIX.
La raison et l'extravagance, la vertu et le vice ont leurs heureux. Le contentement n'est pas la marque du mérite.

Na razão e na extravagância, na virtude e no vício, há homens felizes. A satisfação não é a marca do mérito.


LXX.
La tranquillité d'esprit passerait elle pour une meilleure preuve de la vertu? La santé la donne.

Seria a paz de espírito prova melhor de virtude? A saúde a proporciona.


LXXI.
Si la gloire et le mérite ne rendent pas les hommes heureux, ce que l'on appelle bonheur mérite t il leurs regrets? Une âme un peu courageuse daignerait elle accepter ou la fortune, ou le repos d'esprit, ou la modération, s'il fallait leur sacrifier la vigueur de ses sentiments et abaisser l'essor de son génie?

Se a glória e o mérito não tornam os homens felizes, será que o que chamam de felicidade merece que sintam sua falta? Uma alma com um pouquinho de coragem se dignaria a aceitar a fortuna, a paz de espírito ou a moderação, se para isto fosse preciso sacrificar o vigor dos seus sentimentos e moderar o impulso de seu talento?


LXXII.
La modération des grands hommes ne borne que leurs vices.

A moderação dos grandes homens só limita os seus vícios.


LXXIII.
La modération des faibles est médiocrité.

A moderação dos fracos é mediocridade.


LXXIV.
Ce qui est arrogance dans les faibles est élévation dans les forts; comme la force des malades est frénésie, et celle des sains est vigueur.

O que é arrogância nos fracos é grandeza nos fortes; como a força dos doentes é delírio e a dos sãos é vigor.


LXXV.
Le sentiment de nos forces les augmente.

O sentimento das nossas forças as faz aumentar.


LXXVI.
On ne juge pas si diversement des autres que de soi même.

Não julgamos os outros tão variadamente como julgamos a nós mesmos.


LXXVII.
Il n'est pas vrai que les hommes soient meilleurs dans la pauvreté que dans les richesses.

Não é verdade que os homens são melhores na pobreza do que na riqueza.


LXXVIII.
Pauvres et riches, nul n'est vertueux ni heureux si la fortune ne l'a mis à sa place.

Rico ou pobre, ninguém é virtuoso ou feliz se a fortuna não o colocou no lugar certo.


LXXIX.
Il faut entretenir la vigueur du corps pour conserver celle de l'esprit.

É preciso cultivar o vigor do corpo para manter o do espírito.


LXXX.
On tire peu de service des vieillards.

Obtém-se poucos favores dos velhos.


LXXXI.
Les hommes ont la volonté‚ de rendre service jusqu'à ce qu'ils en aient le pouvoir.

Os homens têm vontade de prestar favores enquanto têm poder para tanto.


LXXXII.
L'avare prononce en secret: Suis-je chargé de la fortune des misérables? et il repousse la pitié qui l'importune.

O avarento declara intimamente: será que sou responsável pelo destino dos miseráveis? E repele a compaixão que o perturba.


LXXXIII.
Ceux qui croient n'avoir plus besoin d'autrui deviennent intraitables.

Aqueles que pensam não precisar mais dos outros se tornam intratáveis.


LXXXIV.
II est rare d'obtenir beaucoup des hommes dont on a besoin.

É raro obter muito dos homens dos quais precisamos.


LXXXV.
On gagne peu de chose par habileté.

Ganha-se pouco com a esperteza.


LXXXVI.
Nos plus sûrs protecteurs sont nos talents.

Nossos protetores mais confiáveis são nossos talentos.


LXXXVII.
Tous les hommes se jugent dignes des plus grandes places; mais la nature, qui ne les en a pas rendus capables, fait aussi qu'ils se tiennent très contents dans les dernières.

Todos os homens se julgam dignos dos melhores lugares; mas a natureza, que não os capacitou para tanto, também faz com que se dêem por muito satisfeitos nos útimos.


LXXXVIII.
On méprise les grands desseins lorsqu'on ne sent pas capable des grands succès.

Desprezamos as grandes metas quando não nos sentimos capazes de grandes sucessos.


LXXXIX.
Les hommes ont de grandes prétentions et de petits projets.

Os homens possuem grandes pretensões e pequenos planos.


XC.
Les grands hommes entreprennent les grandes choses, parce qu'elles sont grandes; et les fous, par qu'ils les croient faciles.

Os grandes homens empreendem as grandes coisas por elas serem grandes; e os loucos, por pensarem que são fáceis.


XCI.
Il est quelquefois plus facile de former un parti que de venir par degrés à la tête d'un parti déjà formé.

Às vezes é mais fácil formar um partido do que chegar gradualmente à liderança de um já formado.


XCII.
Il n'y a point de parti si aisé à détruire que celui que la prudence seule a formé. Les caprices de la nature ne sont pas si frêles que les chefs-d'oeuvre de l'art.

Não há resolução tão fácil de ser arruinada como aquela que só a prudência tomou. Os caprichos da natureza não são tão frágeis como as obras-primas da arte.


XCIII.
On peut dominer par la force, mais jamais par la seule adresse.

É possível dominar pela força, mas nunca só pela habilidade.


XCIV.
Ceux qui n'ont que de l'habileté ne tiennent en aucun lieu le premier rang.

Quem só possui esperteza não ocupa o primeiro lugar em parte alguma.


XCV.
La force peut tout entreprendre contre les habiles.

A força pode tudo contra a esperteza.


XCVI.
Le terme de l'habileté est de gouverner sans la force.

O máximo da esperteza está em governar sem a força.


XCVII.
C'est être médiocrement habile que de faire des dupes.

Há pouca esperteza em enganar os outros.


XCVIII.
La probité, qui empêche les esprits médiocres de parvenir à leurs fins, est un moyen de plus de réussir pour les habiles.

A probidade, que impede os espíritos medíocres de atingirem seus fins, é para as pessoas espertas um meio a mais de vencer.


XCIX.
Ceux qui ne savent pas tirer parti des autres hommes sont ordinairement peu accessibles.

Aqueles que não sabem tirar partido dos outros costumam ser pouco acessíveis.


C.
Les habiles ne rebutent personne.

As pessoas espertas não rejeitam ninguém.


CI.
L'extrême défiance n'est pas moins nuisible que son contraire. La plupart des homrnes deviennent inutiles à celui qui ne veut pas risquer d'être trompé.

A extrema desconfiança não é menos nociva que seu contrário. A maioria dos homens se torna inútil para quem não quer correr o risco de ser enganado.


CII.
Il faut tout attendre et tout craindre du temps et des hommes.

É preciso esperar tudo e temer tudo do tempo e dos homens.


CIII.
Les méchants sont toujours surpris de trouver de l'habileté dans les bons.

Os maus sempre ficam surpresos ao descobrir esperteza nos bons.


CIV.
Trop et trop peu de secret sur nos affaires témoignent également une âme faible.

Segredos de mais ou de menos, a respeito de nossos assuntos, revelam igualmente uma alma fraca.


CV.
La familiarité est l'apprentissage des esprits.

A familiarização é o aprendizado do espírito.


CVI.
Nous découvrons en nous-mêmes ce que les autres nous cachent et nous reconnaissons dans les autres ce que nous nous cachons nous-mêmes.

Descobrimos em nós mesmos o que os outros nos escondem e reconhecemos nos outros o que escondemos de nós mesmos.


CVII.
Les maximes des hommes décèlent leur coeur.

As máximas dos homens desvendam seus corações.


CVIII.
Les esprits faux chagent souvent de maximes.

As pessoas falsas estão sempre trocando de máxima.


CIX.
Les esprits légers sont disposés à la complaisance.

As pessoas levianas tendem à complacência.


CX.
Les menteurs sont bas et glorieux.

Os mentirosos são baixos e presunçosos.


CXI.
Peu de maximes sont vraies à tous égards.

Poucas máximas são verdadeiras em todos os sentidos.


CXII.
On dit peu de choses solides lorsqu'on cherche à en dire d'extraordinaires.

Dizemos poucas coisas de peso quando tentamos dizer coisas extraordinárias.


CXIII.
Nous nous flattons sottement de persuader aux autres ce que nous ne pensons pas nous-mêmes.

Nos orgulhamos tolamente de convencer os outros daquilo que nós próprios não pensamos.


CXIV.
On ne s'amuse pas longtemps de l'esprit d'autrui.

A espirituosidade dos outros não nos diverte muito tempo.


CXV.
Les meilleurs auteurs parlent trop.

Os melhores autores falam demais.


CXVI.
La ressource de ceux qui n'imaginent pas est de conter.

O recurso dos que não imaginam é contar.


CXVII.
La stérilité de sentiment nourrit la paresse.

A esterilidade de sentimentos alimenta a preguiça.


CXVIII.
Un homme qui ne soupe ni ne dîne chez lui se croit occupé. Et celui qui passe la matinée à se laver bouche et à donner audience à son brodeur se moque de l'oisiveté d'un nouvelliste qui se promène tous les jours avant de dîner.

Um homem que não almoça nem janta em casa se acha ocupado. E aquele que passa a manhã lavando a boca e dando audiência a seu bordador, zomba da ociosidade de um jornalista que passeia todo dia antes do almoço.


CXIX.
Il n'y aurait pas beaucoup d'heureux s'il appartenait à autrui de decider de nos occupations et de nos plaisirs.

Não haveria muitas pessoas felizes se dependesse dos outros decidir sobre nossas ocupações e prazeres.


CXX.
Lorsqu'une chose ne peut pas nous nuire, il faut nous moquer de ceux qui nous en détournent.

Quando uma coisa não nos pode fazer mal, devemos desconhecer os que nos afastam dela.


CXXI.
Il y a plus de mauvais conseils que de caprices.

Existem mais maus conselhos que caprichos.


CXXII.
Il ne faut pas croire aisément que ce que la nature a fait aimable soit vicieux. Il n'y a point de siècle et de peuple qui n'aient établi des vertus et des vices imaginaires.

Não se deve acreditar facilmente que o que a natureza fez amável seja vicioso. Não há século ou povo que não tenha instaurado virtudes e vícios imaginários.


CXXIII.
La raison nous trompe plus souvent que la nature.

A razão nos engana mais que a natureza.


CXXIV.
La raison ne connaît pas les intérêts du coeur.

A razão desconhece os interesses do coração.


CXXV.
Si la passion conseille quelquefois plus hardiment que la réflexion, c'est qu'elle donne plus de force pour exécuter.

Se a paixão aconselha às vezes com mais audácia que a reflexão, é que ela dá mais forças para executar.


CXXVI.
Si les passions font plus de fautes que le jugement, c'est par la même raison que ceux qui gouvernent ont plus de fautes que les hommes privés.

Se as paixões erram mais que o juízo, é pelo mesmo motivo pelo qual os que governam cometem mais erros que os indivíduos.


CXXVII.
Les grandes pensées viennent du coeur.

Os grandes pensamentos vêm do coração.


CXXVIII.
Le bon instinct n'a pas besoin de la raison, mais il la donne.

O bom instinto não precisa da razão, mas ele a fornece.


CXXIX.
On paye chèrement les moindres biens, lorsqu'on ne les tient que de la raison.

Pagamos caro os mínimos bens quando só nos vêm da razão.


CXXX.
La magnanimité ne doit pas compte à la prudence de ses motifs.

A magnanimidade não deve contas à prudência sobre seus motivos.


CXXXI.
Personne n'est sujet a plus de fautes que ceux qu n'agissent que par réflexion.

Ninguém está mais sujeito a errar do que quem só age por reflexão.


CXXXII.
On ne fait pas beaucoup de grandes choses par conseil.

Não fazemos muitas coisas grandes seguindo conselhos.


CXXXIII.
La conscience est la plus changeante des règles.

A consciência é a mais mutável das regras.


CXXXIV.
La fausse conscience ne se connaît pas.

A falsa consciência não conhece a si mesma.


CXXXV.
La conscience est présomptueuse dans les forts, timide dans les faibles et les malheureux, inquiète dans les indécis, etc.: organe du sentiment qui nous domine et des opinions qui nous gouvernent.

A consciência é presunçosa nos fortes, tímida nos fracos e infelizes, inquieta nos indecisos, etc.: órgão obediente do sentimento que nos domina e das opiniões que nos governam.


CXXXVI.
La conscience des mourants calomnie leur vie.

A consciência dos moribundos lhes calunia a vida.


CXXXVII.
La fermeté ou la faiblesse de la mort dépend de la dernière maladie.

A firmeza ou a fraqueza da morte dependem da derradeira doença.


CXXXVIII.
La nature, epuisée par la douleur, assoupit quelquefois le sentiment dans les malades et arrête la volubilité de leur esprit; et ceux qui redoutaient la mort sans péril, la souffrent sans crainte.

A natureza, esgotada pela dor, às vezes atenua os sentimentos dos doentes e retém a volubilidade de seu espírito; e aqueles que temiam a morte sem risco, suportam-na sem medo.


CXXXIX.
La maladie éteint dans quelques hommes le courage, dans quelques autres la peur, et jusqu'à l'amour de la vie.

A doença anula em certos homens a coragem, em outros o medo, e até o amor pela vida.


CXL.
On ne peut juger de la vie par une plus fausse règle que la mort.

A vida não pode ser julgada por regra mais falsa que a morte.


CXLI.
On est injuste d'exiger d'une âme atterrée et vaincue par les secousses d'un mal redoutable, qu'elle conserve la même vigueur qu'elle a fait paraître en d'autres temps. Est-on surpris qu'un malade ne puisse plus ni marcher, ni veiller, ni se soutenir? Ne serait-il pas plus étrange s'il était encore le même homme qu'en pleine santé? Si avons eu la migraine et que nous ayons mal dormi, on nous excuse d'être incapables ce jour-là d'application, et personne ne nous soupçonne d'avoir toujours été inappliqués. Refuserons-nous a un homme qui se meurt le privilège que nous accordons à celui qui a mal à 1a tête; et oserons-nous assurer qu'il n'a jamais eu de courage pendant sa santé, parce qu'il en aura manqué à l'agonie?

É injusto exigir de uma alma apavorada e derrotada pelos sobressaltos de um mal temível que conserve o mesmo vigor que demonstrou em outros tempos. Surpreende-nos que um doente já não possa andar, ou manter-se acordado, ou parar em pé? Não seria mais estranho se ele ainda fosse o homem que era quando são? Se estivemos com enxaqueca ou se dormimos mal, a nossa incapacidade de atenção nesse dia nos é perdoada, e ninguém supõe que tenhamos sempre sido negligentes. Será que negaremos a um homem que está morrendo o privilégio que concedemos ao que tem dor de cabeça; e ousaremos afirmar que nunca teve coragem quando são, só porque ela lhe faltou na agonia?


CXLII.
Pour exécuter de grandes choses il faut vivre comme si on ne devait jamais mourir.

Para executar coisas grandes devemos viver como se não fôssemos morrer nunca.


CXLIII.
La pensée de la mort nous trompe; car elle nous fait oublier de vivre.

A idéia da morte nos engana; pois nos faz esquecer de viver.


CXLIV.
Je dis quelquefois en moi-même: La vie est trop courte pour mériter que je m'en inquiète. Mais si quelque importun me rend visite, et qu'il m'empêche de sortir et de m'habiller, je perds patience et je ne puis supporter de m'ennuyer une demi-heure.

Penso, às vezes, comigo mesmo: a vida é curta demais para merecer que eu me preocupe com ela. Mas se algum importuno me faz uma visita, e me impede de sair e me vestir, perco a paciência e não consigo suportar entediar-me por meia-hora.


CXLV.
La plus fausse de toutes les philosophies est celle qui, sous prétexte d'affranchir les hommes des embarras des passions, leur conseille l'oisiveté, l'abandon et l'oubli d'eux-mêmes.

A mais falsa das filosofias é aquela que, a pretexto de libertar os homens das dificuldades das paixões, lhes aconselha o ócio, o descuido e o auto-esquecimento.


CXLVI.
Si toute notre prévoyance ne peut rendre notre vie heureuse, combien moins notre nonchalance.

Se toda a nossa previdência não nos pode tornar a vida feliz, quanto menos nossa indolência.


CXLVII.
Personne ne dit le matin: Un jour est bientôt passé, attendons la nuit. Au contraire, on rêve la veille à ce qu'on fera le lendemain. On serait bien marri de passer un seul jour à la merci du temps et des fâcheux. On n'oserait laisser au hasard la disposition de quelques heures; et on a raison: car qui peut se promettre de passer une heure sans ennui, s'il ne prend soin de remplir a son gré ce court espace? Mais ce qu'on n'oserait se promettre pour une heure, on se le promet quelquefois pour toute la vie, et l'on dit: Nous sommes bien fous de nous tant inquiéter de l'avenir; c'est-à-dire: Nous sommes bien fous de ne pas commettre au hasard nos destinées et de pourvoir à l'intervalle qui est entre nous et la mort.

Ninguém diz pela manhã: um dia passa depressa, vamos esperar a noite. Pelo contrário, sonhamos na véspera com o que vamos fazer no dia seguinte. Ficaríamos muito chateados se passássemos um único dia à mercê do tempo e dos aborrecidos. Não ousaríamos deixar ao acaso o emprego de algumas horas; e com razão: pois quem pode contar com uma hora passada sem tédio, se não se dedicar a preencher este curto espaço a bel prazer? Mas com o que não ousaríamos contar por uma hora, contamos, às vezes, por toda a vida, e dizemos: que loucos somos por nos preocuparmos tanto com o futuro; ou seja: que loucos somos por não delegarmos ao acaso nosso destino e por preenchermos o intervalo que está entre nós e a morte.


CXLVIII.
Ni le degoût est une marque de santé, ni l'appétit est une maladie, mais tout au contraire. Ainsi pense-t-on sur le corps. Mais on juge de l'âme sur d'autres principes. On suppose qu'une âme forte est celle qui est exempte de passions; et comme la jeunesse est ardente et plus active que le dernier âge, on la regarde comme un temps de fièvre; et on place la force de l'homme dans sa décadence.

Nem o enfado é um sinal de saúde, nem o apetite uma doença, muito pelo contrário. Assim pensamos a respeito do corpo. Mas julgamos a alma por outros princípios. Supomos que a alma forte é aquela isenta de paixões; e como a juventude é ardente e mais ativa que a última idade, é encarada como tempo febril; e situamos a força do homem na sua decadência.


CXLIX.
L'esprit est l'oeil de l'âme, non sa force. Sa force est dans le coeur, c'est-à-dire dans les passions. La raison la plus éclairée ne donne pas d'agir et de vouloir. Suffit-il d'avoir la vue bonne pour marcher? ne faut-il pas encore avoir des pieds et la volonté avec la puissance de les remuer?

O espírito é o olho da alma, não sua força. Sua força está no coração, ou seja, nas paixões. A razão mais esclarecida não leva a agir ou querer. Basta possuir uma boa visão para andar? Não é preciso também possuir pés, e a vontade com poder de movê-los?


CL.
La raison et le sentiment se conseillent et se suppléent tour à tour. Quiconque ne consulte qu'un deux et renonce à l'autre, se prive inconsidérérment d'une partie des secours qui nous ont été accordés pour nous conduire.

A razão e o sentimento sucessivamente se aconselham e completam. Quem consulta apenas um dos dois e renuncia ao outro, priva levianamente a si mesmo de uma parte dos recursos que nos foram concedidos para dirigir-nos.


CLI.
Nous devons peut-être aux passions les plus grands avantages de l'esprit.

Talvez devamos às paixões as maiores vantagens do espírito.


CLII.
Si les hommes n'avaient pas aimé la gloire, ils n'avaient ni assez d'esprit ni assez de vertu pour la mériter.

Se os homens não amassem a glória, não teriam espírito nem virtude suficientes para merecê-la.


CLIII.
Aurions-nous cultivé les arts sans les passions? et la réflexion toute seule nous aurait-elle fait connaître nos ressources, nos besoins et notre industrie?

Será que teríamos cultivado as artes sem as paixões? e a mera reflexão nos teria revelado nossos recursos, nossas necessidades e nossa engenhosidade?


CLIV.
Les passions ont appris aux hommes la raison.

As paixões ensinaram aos homens a razão.


CLV.
Dans l'enfance de tous les peup1es, comme dans celle des particuliers, le sentiment a toujours précédé la réflexion et en a été le premier maître.

Na infância de todos os povos, bem como na dos indivíduos, o sentimento sempre precedeu a reflexão e foi seu primeiro mestre.


CLVI.
Qui considérera la vie d'un seul homme y trouvera toute l'histoire du genre humain, que la science et l'expérience n'ont pu rendre bon.

Quem observar a vida de um único homem encontrará toda a história do gênero humano, que nem a ciência, nem a experiência, conseguiram tornar bom.


CLVII.
S'il est vrai qu'on ne peut anéantir le vice, la science de ceux qui gouvernent est de le faire concourir au bien public.

Se é verdade que o vício não pode ser eliminado, a ciência dos governantes está em fazer com que ele contribua para o bem de todos.


CLVIII.
Les jeunes gens souffrent moins de leurs fautes que de la prudence des vieillards.

Os jovens sofrem menos por seus erros do que pela prudência dos velhos.


CLIX.
Les conseils de la vieillesse éclairent sans échauffer, comme le soleil l'hiver.

Os conselhos da velhice iluminam sem aquecer, como o sol no inverno.


CLX.
Le prétexte ordinaire de ceux qui font le malheur des autres est qu'ils veulent leur bien.

A desculpa habitual dos que causam a desgraça dos outros é que querem o seu bem.


CLXI.
Il est juste d'exiger des hommes qu'ils fassent, par déférence pour nos conseils, ce qu'ils ne veulent pas faire pour eux-mêmes.

É justo exigir das pessoas que façam, em deferência a nossos conselhos, o que não querem fazer para si próprias.


CLXII.
Il faut permettre aux hommes de faire de grandes fautes contre eux-mêmes pour éviter un plus grand mal, la servitude.

É preciso deixar que as pessoas cometam grandes erros em detrimento próprio, para evitar um mal maior: a servidão.


CLXIII.
Quiconque est plus sévère que les lois est un tyran.

Todo aquele que é mais severo que as leis é um tirano.


CLXIV.
Ce qui n'offense pas la société n'est pas du ressort de la justice.

O que não atenta contra a sociedade não compete à sua justiça.


CLXV.
C'est entreprendre sur la clémence de Dieu, de punir sans nécessité.

É usurpar a clemência de Deus castigar sem necessidade.


CLXVI.
La morale austère anéantit la vigueur de l'esprit comme les enfants d'Esculape détruisent le corps pour détruire un vice du sang souvent imaginaire.

A moral austera aniquila o vigor do espírito, como os filhos de Esculápio destróem o corpo para destruir, no sangue, algum vício freqüentemente imaginário.


CLXVII.
La clémence vaut mieux que la justice.

A clemência vale mais que a justiça.


CLXVIII.
Nous blâmons beaucoup les malheureux des moindres fautes et les plaignons peu des plus grands malheurs.

Censuramos muito os menores erros dos desfavorecidos e nos condoemos pouco com suas maiores desgraças.


CLXIX.
Nous réservons notre indulgence pour les parfaits.

Reservamos nossa indulgência para as pessoas perfeitas.


CLXX.
On ne plaint pas un homme d'être un sot, et peut-être qu'on a raison; mais il est fort plaisant d'imaginer que c'est sa faute.

Não sentimos pena de um homem por ele ser tolo, e talvez tenhamos razão; mas é bastante agradável imaginar que a culpa é dele.


CLXXI.
Nul homme n'est faible par choix.

Nenhum homem é fraco por opção.


CLXXII.
Nous querellons les malheureux pour nous dispenser de les plaindre.

Repreendemos os desfavorecidos para nos furtarmos à compaixão.


CLXXIII.
La générosité souffre des maux d'autrui, comme si elle en était responsable.

A generosidade sofre pelos males alheios como se fosse responsável por eles.


CLXXIV.
L'ingratitude la plus odieuse, mais la plus commune et la plus ancienne, est celle des enfants envers leurs pères.

A ingratidão mais odiosa, mas a mais antiga e corriqueira, é a dos filhos para com os pais.


CLXXV.
Nous ne savons pas beaucoup de gré à nos amis d'estimer nos bonnes qualités s'ils osent seulement s'apercevoir de nos défauts.

Não somos muito gratos a nossos amigos por apreciarem nossas boas qualidades se ousam sequer perceber nossos defeitos.


CLXXVI.
On peut aimer de tout son coeur ceux en qui reconnaît de grands défauts. Il y aurait de l'impertinence à croire que la perfection a seule le droit de nous plaire. Nos faiblesses nous attachent quelquefois les uns aux autres autant que pourrait faire la vertu.

Podemos amar de todo o coração aqueles nos quais notamos grandes defeitos. Seria impertinente achar que só à perfeição cabe o direito de agradar-nos. Às vezes nossas fraquezas nos aproximam tanto quanto a virtude.


CLXXVII.
Les princes font beaucoup d'ingrats parce qu'ils ne donnent pas tout ce qu'ils peuvent.

Os príncipes fazem muita gente ingrata porque não dão tudo aquilo que podem.


CLXXVIII.
La haine est plus vive que l'amitié, moins que la gloire.

O ódio é mais vívido que a amizade e menos que a glória.


CLXXIX.
Si nos amis nous rendent des services, nous pensons qu'à titre d'amis ils nous les doivent, et nous ne pensons pas du tout qu'ils ne nous doivent pas leur amitié.

Quando nossos amigos nos prestam favores pensamos que, como amigos, nos devem esses favores, e nunca pensamos que não nos devem sua amizade.


CLXXX.
On n'est pas né pour la gloire lorsqu'on ne connaît pas le prix du temps.

Não nasceu para a glória quem não conhece o valor do tempo.


CLXXXI.
L'activité fait plus de fortunes que la prudence.

A atividade gera mais fortunas que a prudência.


CLXXXII.
Celui qui serait né pour obéir, obéirait jusque sur le trône.

Quem nasceu para obedecer obedece até num trono.


CLXXXIII.
Il ne paraît pas que la nature ait fait les hommes pour l'indépendance.

A natureza não parece ter criado os homens para a independência.


CLXXXIV.
Pour se soustraire à la force, on a été obligé de se soumettre à la justice. La justice ou la force, il a fallu opter entre ces deux maîtres: tant nous étions peu faits pour être libres.

Para escaparmos da força, fomos obrigados a nos submeter à justiça. A justiça ou a força, foi preciso optar entre esses dois senhores: tão pouco feitos para a liberdade que éramos.


CLXXXV.
La dépendance est née de la société.

A dependência nasceu da sociedade.


CLXXXVI.
Faut-il s'étonner que les hommes aient cru que les animaux étaient faits pour eux, s'ils pensent même ainsi de leurs semblables, et que la fortune accoutume les puissants à ne compter qu'eux sur la terre?

Será surpreendente os homens terem pensado que os animais foram feitos para eles, se assim pensam sobre seus semelhantes e se a fortuna acostuma os poderosos a só considerarem a si mesmos no mundo?


CLXXXVII.
Entre rois, entre peuples, entre particuliers, le plus fort se donne des droits sur le plus faible, et la même règle est suivie par les animaux et les êtres inanimés: de sorte que tout s'exécute dans l'univers par la violence; et cet ordre, que nous blâmons avec quelque apparence de justice, est la loi la plus générale, la plus immuable et la plus importante de la nature.

Entre reis, entre povos, entre indivíduos, o mais forte se dá direitos sobre o mais fraco, e a mesma regra é seguida pelos animais e seres inanimados: de modo que no universo, tudo se dá pela violência; e esta ordem, que criticamos com certo ar de justiça é a lei mais geral, mais imutável e mais antiga da natureza.


CLXXXVIII.
Les faibles veulent dépendre, afin d'être protégés. Ceux qui craignent les hommes aiment les lois.

Os fracos querem ser dependentes, a fim de serem protegidos. Aqueles que temem os homens amam as leis.


CLXXXIX.
Qui sait tout souffrir peut tout oser.

Quem sabe suportar tudo pode ousar tudo.


CXC.
Il est des injures qu'il faut dissimuler pour ne pas compromettre son honneur.

Existem ofensas que é melhor dissimular para não comprometer a própria honra.


CXCI.
Il est bon d'être ferrne par tempérament et fléxible par réflexion.

É bom ser firme por temperamento e flexível por reflexão.


CXCII.
Les faibles veulent quelquefois qu'on les croie méchants; mais les méchants veulent passer pour bons.

Os fracos, às vezes, querem que julguemos que são maus; os maus, porém, querem passar por bons.


CXCIII.
Si l'ordre domine dans le genre humain, c'est une preuve que la raison et la vertu y sont les plus forts.

Se a ordem domina no gênero humano, é prova de que nele a razão e a virtude são mais fortes.


CXCIV.
La loi des esprits n'est pas différente de celle des corps, qui ne peuvent se maintenir que par une continuelle nourriture.

A lei dos espíritos não difere da lei dos corpos, que só se podem manter por uma alimentação contínua.


CXCV.
Lorsque les plaisirs nous ont épuisés, nous croyons avoir épuisé les plaisirs; et nous disons que rien ne peut remplir le coeur de l'homme.

Quando os prazeres nos esgotam, pensamos ter esgotado os prazeres; dizemos então que nada pode preencher o coração do homem.


CXCVI.
Nous méprisons beaucoup de choses pour ne pas nous mépriser nous-mêmes.

Desprezamos muitas coisas para não desprezar a nós mesmos.


CXCVII.
Notre dégoût n'est point un défaut et une insuffisance des objets extérieurs, comme nous aimons à le croire, mais un épuisement de nos propres organes et un témoignage de notre faiblesse.

Nosso enfado não é defeito e insuficiência dos objetos externos, como gostamos de acreditar, mas um esgotamento dos nossos próprios órgãos e um testemunho de nossa fraqueza.


CXCVIII.
Le feu, l'air, l'esprit, la lumière, tout vit par l'action. De là la communication et l'alliance de tous les êtres; de là l'unité et l'harmonie dans l'univers. Cependant, cette loi de la nature si féconde, nous trouvons que c'est un vice dans l'homme; et parce qu'il est obligé d'y obéir, ne pouvant subsister dans le repos, nous concluons qu'il est hors de sa place.

O fogo, o ar, o espírito, a luz, tudo vive através da ação. Daí a comunicação e aliança entre todos os seres. Daí a unidade e harmonia do universo. Consideramos, no entanto, esta lei da natureza tão fecunda um vício no homem; e por ele ser obrigado a obedecer-lhe, não podendo sobreviver em repouso, concluímos que está deslocado.


CXCIX.
L'homme ne se propose le repos que pour s'affranchir de la sujétion et du travail; mais il ne peut jouir que par l'action et n'aime qu'elle.

O homem só se dispõe ao repouso para libertar-se da sujeição e do trabalho. Mas é só na ação que ele pode sentir prazer e é só dela que gosta.


CC.
Le fruit du travail est le plus doux des plaisirs.

O fruto do trabalho é o mais doce dos prazeres.


CCI.
Où tout est dépendant, il y a un maître: l'air appartient à l'homme et l'homme à l'air; et rien n'est à soi, ni à part.

Onde tudo é dependente, existe um senhor. O ar pertence ao homem e o homem ao ar; nada é de si próprio, nem é isolado.


CCII.
O soleil! ô cieux! Qu'êtes-vous? Nous avons surpris le secret et l'ordre de vos mouvements. Dans la main de l'Être des êtres, instruments aveugles et ressorts peut-être insensibles, le monde sur qui vous régnez mériterait-il nos hommages? Les révolutions des empires, la diverse face des temps, les nations qui ont dominé et les hommes qui ont fait la destinée de ces nations mêmes, les principales opinions et les coutumes qui ont partagé la créance des peuples dans la religion, les arts, la morale et les sciences, tout cela, que peut-il paraître? Un atome presque invisible, qu'on appelle l'homme, qui rampe sur la face de terre et qui ne dure qu'un jour, embrasse en quelque sorte d'un coup d'oeil le spectacle de l'univers dans tous les âges.

Oh, sol! Oh, céus! O que são vocês? Descobrimos o segredo e a ordem dos seus movimentos. Na mão do Ser dos seres, instrumentos cegos e energias quem sabe insensíveis, será que o mundo sobre o qual vocês reinam merece nossas homenagens? As revoluções dos impérios, a face diversa dos tempos, as nações que já dominaram e os homens que fizeram o destino destas mesmas nações, as principais opiniões e os costumes que dividiram as crenças dos povos na religião, nas artes, na moral e nas ciências, o que pode parecer isto tudo? Um átomo quase invisível, que chamamos de homem, que rasteja sobre a face da terra e dura apenas um dia, de certa forma abraça com um olhar o espetáculo do universo em todas as idades.


CCIII.
Quand on a beaucoup de lumières, on admire peu; lorsque l'on en manque, de même. L'admiration marque le degré de nos connaissances et prouve moins, souvent, la perfection des choses que l'imperfectlon de notre esprit.

Quando se possui muitas luzes, admira-se pouco; quando se carece delas, também. A admiração marca o grau dos nossos conhecimentos e é mais raro que prove a perfeição das coisas do que a imperfeição do nosso espírito.


CCIV.
Ce n'est point un grand avantage d'avoir l'esprit vif si on ne l'a juste. La perfection d'une pendule n'est pas d'aller vite mais d'être reglée.

Não há grande vantagem em possuir uma mente viva, se ela não for justa. A perfeição de um relógio não está na rapidez, mas na precisão.


CCV.
Parler imprudemment et parler hardiment est presque toujours la même chose; mais on peut parler sans prudence et parler juste; et il ne faut pas croire qu'un homme a l'esprit faux, parce que la hardiesse de son caractère ou la vivacité de ses passions lui auront arraché, malgré lui-même, quelque vérité périlleuse.

Ser imprudente ou ousado ao falar dá quase sempre na mesma; mas é possível falar sem prudência e falar certo; e não se deve achar que um homem possui uma mente equivocada só porque a audácia do seu caráter ou a vivacidade de suas paixões lhe arrancaram à sua revelia uma verdade perigosa.


CCVI.
Il y a plus de sérieux que de folie dans l'esprit des hommes. Peu sont nés plaisants; la plupart le deviennent par imitation, froids copistes de la vivacité et de la gaieté.

Há mais seriedade que loucura no espírito dos homens. Poucos nasceram agradáveis; a maioria se torna agradável por imitação, frios plagiários que são da vivacidade e da alegria.


CCVII.
Ceux qui se moquent des penchants sérieux aiment sérieusement les bagatelles.

Aqueles que zombam das inclinações sérias amam seriamente as bagatelas.


CCVIII.
Différent génie, différent goût. Ce n'est pas toujours par jalousie que réciproquement on se rabaisse.

Variam os dons, variam os gostos. Nem sempre é por inveja que nos denegrimos reciprocamente.


CCIX.
On juge des productions de l'esprit comme des ouvrages mécaniques. Lorsque l'on achète une bague on dit: celle-là est trop grande, l'autre est trop petite, jusqu'à ce qu'on en rencontre une pour son doigt. Mais il n'en reste pas chez le joaillier, car celle qui m'est trop petite va bien à un autre.

Julgamos as produções do espírito como os trabalhos mecânicos. Dizemos ao comprar um anel: este é muito grande, aquele é muito pequeno, até acharmos algum que se ajuste ao nosso dedo. Mas não sobra nenhum no joalheiro: o que para mim era pequeno serve em outra pessoa.


CCX.
Lorsque deux auteurs ont également excellé en divers genres, on n'a pas ordinairement assez d'égard à la subordination de leurs talents, et Despréaux va de pair avec Racine: cela est injuste.

Quando dois autores se sobressaem em gêneros distintos, geralmente não levamos suficientemente em conta a subordinação de seus talentos, e Despréaux* se iguala a Racine: é uma injustiça.

* Trata-se de Boileau (1636-1711), cujo nome completo era Boileau-Despréaux.


CCXI.
J'aime un écrivain qui embrasse tous les temps et tous les pays et rapporte beaucoup d'effets à peu causes; qui compare les préjugés et les moeurs des différents siècles; qui, par des exemples tirés de la peinture ou de la musique, me fait connaîtretre les beautés de l'éloquence et l'étroite liaison des arts. Je dis d'un homme qui rapproche ainsi les choses humaines, qu'il a un grand génie, si ses conséquences sont justes. Mais s'il concluait mal, je présume qu'il distingue mal les objets, ou qu'il n'aperçoit pas d'un seul coup d'oeil tout leur ensemble, et qu'enfin quelque chose manque à l'etendue ou à la profondeur de son esprit.

Gosto do escritor que abrange todos os tempos e países e relaciona muitos efeitos a poucas causas; que compara os preconceitos e os costumes dos vários séculos; que, através de exemplos tirados da pintura ou da música me leva a conhecer as belezas da eloqüência e a estreita relação entre as artes. De um homem que associa assim as coisas humanas, digo que tem grande talento, se suas deduções forem corretas. Mas se concluir mal, suponho que ele distingue mal os objetos ou que não capta seu conjunto num só olhar e que, afinal, lhe falta alguma coisa em alcance ou profundidade.


CCXII.
On discerne aisément la vraie de la fausse étendue d'esprit: car l'une agrandit ses sujets et l'autre, par l'abus des épisodes et par le faste de l'érudition, les anéantit.

É facil discernir entre o verdadeiro alcance do espírito e o falso, pois um engrandece seus temas; e o outro, pelo abuso de episódios e a pompa da erudição, os aniquila.


CCXIII.
Quelques exemples rapportés en peu de mots et à leur place donnent plus d'éclat, plus de poids et plus d'autorité aux réflexions; mais trop d'exemples et trop de détails énervent toujours un discours. Les digressions trop longues ou trop fréquentes rompent l'unité du sujet et lassent les lecteurs sensés, qui ne veulent pas qu'on les détourne de l'objet principal, et qui d'ailleurs ne peuvent suivre, sans beaucoup de peine, une trop longue chaîne de faits et de preuves. On ne saurait trop rapprocher les choses, ni trop tôt conclure. Il faut saisir d'un coup d'oeil la véritable preuve de son discours et courir à la conclusion. Un esprit perçant fuit les épisodes et laisse aux écrivains médiocres le soin de s'arrêter à cueillir les fleurs qui se trouvent sur leur chemin. C'est à eux d'amuser le peuple, qui lit sans objet, sans pénétration et sans goût.

Alguns exemplos, dados em poucas palavras e oportunamente, dão mais brilho, mais peso e autoridade às reflexões; mas o excesso de exemplos e detalhes sempre enfraquecem um discurso. Digressões muito longas ou muito freqüentes rompem a unidade do tema e cansam os leitores sensatos que não querem ser desviados do assunto principal e, aliás, não conseguem acompanhar senão com muito esforço um encadeamento muito longo de fatos e provas. Nunca é demais associar as coisas, nem cedo demais para concluir. É preciso captar de relance a prova real do próprio discurso e voar para a conclusão. Um espírito sagaz foge dos episódios e deixa aos escritores medíocres o cuidado de se deterem a colher as flores que se encontram em seu caminho. A eles cabe divertir o povo, que lê sem objetivo, sem penetração e sem gosto.


CCXIV.
Le sot qui a beaucoup de mémoire est plein de pensées et de faits; mais il ne sait pas en conclure: tout tient à cela.

Um tolo com boa memória está repleto de idéias e fatos dos quais não sabe, porém, tirar conclusões: tudo está nisto.


CCXV.
Savoir bien rapprocher les choses, voilà l'esprit juste. Le don de rapprocher beaucoup de choses et de grandes choses fait les esprits vastes. Ainsi la justesse paraît être le premier degré et une condition très nécessaire de la vraie étendue d'esprit.

Saber associar bem as coisas, eis o espírito exato. O talento para associar muitas e grandes coisas faz os espíritos vastos. Assim, a precisão parece ser o primeiro nível e uma condição das mais necessárias para o verdadeiro alcance do espírito.


CCXVI.
Un homme qui digère mal et qui est vorace, est peut-être une image assez fidèle du caractère d'esprit de la plupart des savants.

Um homem que digere mal e é voraz: talvez seja essa uma imagem bastante fiel do tipo de espírito da maioria dos eruditos.


CCXVII.
Je n'approuve point la maxime qui veut qu'un honnête homme sache un peu de tout. C'est savoir presque toujours inutilement, et quelquefois pernicieusement, que de savoir superficiellement et sans principes. Il est vrai que la plupart des hommes ne sont guère capables de connaître profondément; mais il est vrai aussi que cette science superficielle qu'ils recherchent ne sert qu'à contenter leur vanité. Elle nuit ceux qui possèdent un vrai génie: car elle les détourne nécessairement de leur objet principal, consume leur application dans les détails et sur des objets étrangers à leurs besoins et à leurs talents naturels, et enfin elle ne sert point, comme ils s'en flattent, à prouver l'étendue de leur esprit. De tout temps on a vu des hommes qui savaient beaucoup avec un esprit très médiocre; et au contraire, des esprits très vastes qui savaient fort peu. Ni l'ignorance n'est défaut d'esprit ni le savoir n'est preuve de génie.

Não aprovo de modo algum a máxima que afirma que um homem de bem deve saber de tudo um pouco. É um saber quase sempre inútil e às vezes pernicioso, o saber superficialmente e sem princípios. É verdade que a maioria dos homens é incapaz de conhecer profundamente; mas também é verdade que esta ciência superficial que eles buscam só serve para satisfazer sua vaidade. Ela prejudica os que possuem um talento verdadeiro: pois fatalmente os desvia de seu objeto principal, consome sua atenção em detalhes e assuntos estranhos às suas necessidades e aptidões naturais e não serve, enfim, como alardeiam, para demonstrar a vastidão de seu espírito. Em todas as épocas existiram homens de espírito bem medíocre que sabiam muito; e ao contrário, espíritos muito vastos que sabiam bem pouco. Nem a ignorância é defeito do espírito, nem o saber é prova de talento.


CCXVIII.
La vérité échappe au jugement, comme les faits échappent à la mémoire. Les diverses faces des choses s'emparent tour à tour d'un esprit vif et lui font quitter et reprendre successivement les mêmes opinions. Le goût n'est pas moins inconstant: il s'use sur les choses les plus agréables et varie comme notre humeur.

A verdade escapa ao juízo assim como os fatos escapam à memória. As diversas faces das coisas se apoderam alternadamente de um espírito vivo e fazem com que sucessivamente abandone e retome as mesmas opiniões. O gosto não é menos inconstante: se desgasta nas coisas mais agradáveis e varia como o nosso estado de espírito.


CCXIX.
Il y a peut-être autant de vérités parmi les hommes que d'erreurs, autant de bonnes qualités que de mauvaises, autant de plaisirs que de peines: mais nous aimons à contrôler la nature humaine, pour essayer de nous élever au-dessus de notre espèce, et pour nous enrichir de la considération dont nous tâchons de la dépouiller. Nous sommes si présomptueux que nous croyons pouvoir séparer notre intérêt personnel de celui de l'humanité et médire du genre humain sans nous compromettre. Cette vanité ridicule a rempli les livres des philosophes d'invectives contre la nature. L'homme est maintenant en disgrâce chez tous ceux qui pensent, et c'est à qui le chargera de plus de vices. Mais peut-être est-il sur le point de se relever et de se faire restituer toutes ses vertus, car la philosophie a ses modes comme les habits, la musique et l'architecture, etc.

Talvez existam entre os homens tantas verdades quanto erros, tantas boas quanto más qualidades, tantos prazeres quanto tristezas: mas gostamos de controlar a natureza humana, para tentar nos elevarmos acima de nossa espécie, e fortalecer-nos com a consideração de que procuramos despojá-la. Somos tão presunçosos que pensamos poder separar nosso interesse pessoal do da humanidade e falar mal do gênero humano sem nos comprometer-mos. Esta vaidade ridícula encheu os livros dos filósofos de invectivas contra a natureza. O homem agora caiu em desgraça para todos aqueles que pensam, que tratam de imputar-lhe o maior número de vícios. Mas ele talvez esteja a ponto de reerguer-se e fazer com que lhe sejam restituídas todas as suas virtudes, pois a filosofia possui suas modas como o vestuário, a música e a arquitetura, etc.


CCXX.
Sitôt qu'une opinion devient commune, il ne faut point d'autre raison pour obliger les hommes à abandonner et à embrasser son contraire, jusqu'à ce que celle-ci vieillisse à son tour, et qu'ils aient besoin de se distinguer par d'autres choses. Ainsi, s'ils atteignent le but dans quelque art ou dans quelque science, on doit s'attendre qu'ils le passeront pour acquérir une nouvelle gloire: et c'est ce qui fait en partie que les plus beaux siècles dégénèrent si promptement, et qu'à peine sortis de la barbarie ils s'y replongent.

Basta que uma opinião se torne comum para obrigar os homens a abandoná-la e adotar a contrária, até que esta por sua vez envelheça, e eles precisem se distinguir por outras coisas. Assim, se atingem sua meta em alguma arte ou ciência, é de se esperar que a ultrapassem para alcançar uma nova glória: e é isto, em parte, que faz com que os séculos mais belos se degenerem tão rapidamente e que, mal saídos da barbárie, nela tornem a mergulhar.


CCXXI.
Les grands hommes, en apprenant aux faibles à réfléchir, les ont mis sur la route de l'erreur.

Ao ensinar os fracos a refletir, os grandes homens os colocaram no caminho do erro.


CCXXII.
Où il y a de la grandeur, nous la sentons malgré nous. La gloire des conquérants a toujours été combattue; les peuples en ont toujours souffert et ils l'ont toujours respectée.

Onde existe grandeza, sentimos grandeza, mesmo contra a vontade. A glória dos conquistadores sempre foi combatida; sempre fez com que os povos sofressem e eles sempre a respeitaram.


CCXXIII.
Le contemplateur, mollement couché dans une chambre tapissée, invective contre le soldat qui passe les nuits de l'hiver au bord d'un fleuve et veille en silence sous les armes pour la sûreté de sa patrie.

O contemplador, indolentemente deitado num quarto atapetado, critica o soldado que passa as noites de inverno à margem de um rio e, a serviço, vela em silêncio pela segurança da pátria.


CCXXIV.
Ce n'est pas à porter la faim et la misère chez les étrangers qu'un héros attache la gloire, mais à les souffrir pour l'État; ce n'est pas à donner la mort, mais à la braver.

Não é em levar fome e miséria aos estrangeiros que consiste a glória para o herói, mas em suportá-las pelo Estado; não em levar a morte, mas em desafiá-la.


CCXXV.
Le vice fomente la guerre: la vertu combat. S'il n'y avait aucune vertu nous aurions pour toujours la paix.

O vício fomenta a guerra: a virtude combate. Se não houvesse nenhuma virtude teríamos paz para sempre.


CCXXVI.
La vigueur d'esprit ou l'adresse ont fait les premières fortunes. L'inégalité des conditions est née de celle des génies et des courages.

O vigor do espírito ou a habilidade fizeram as primeiras fortunas. A desigualdade das posições sociais nasceu da dos talentos e das coragens.


CCXXVII.
Il est faux que l'égalité soit une loi de la nature. La nature n'a rien fait d'égal. Sa loi souveraine est la subordination et la dépendance.

Não é verdade que a igualdade é uma lei da natureza. A natureza não fez nada igual. Sua lei soberana é a subordinação e a dependência.


CCXXVIII.
Qu'on tempère comme on voudra la souveraineté dans un État, nulle loi n'est capable d'empêcher un tyran d'abuser de l'autorité de son emploi.

Por mais que se atenue a autoridade de um Estado, nenhuma lei é capaz de impedir um tirano de abusar do poder de seu cargo.


CCXXIX.
On est forcé de respecter les dons de la nature, que l'étude ni la fortune ne peuvent donner.

Somos forçados a respeitar os dons da natureza, que nem o estudo nem a fortuna podem dar.


CCXXX.
La plupart des hommes sont si resserrés dans la sphère de leur condition qu'ils n'ont pas même le courage d'en sortir par leurs idées: et si on en voit quelques-uns que la spéculation des grandes choses rend en quelque sorte incapables des petites, on en trouve encore davantage à qui la pratique des petites a ôté jusqu'au sentiment des grandes.

A maioria dos homens está tão presa à esfera da sua posição social, que não tem sequer coragem para escapar por suas próprias idéias; e se há alguns que a especulação das coisas grandes torna, de certa forma, incapazes das pequenas, é bem maior o número daqueles a quem a prática das pequenas tirou até mesmo a noção das grandes.


CCXXXI.
Les espérances les p1us ridicules et les plus hardies ont été quelquefois la cause des succès extraordinaires.

As esperanças mais ridículas e audaciosas já foram causa de sucessos extraordinários.


CCXXXII.
Les sujets font leur cour avec bien plus de goût que les princes ne la reçoivent. Il est toujours plus sensible d'acquérir que de jouir.

Os súditos sempre fazem sua corte com muito mais gosto do que os príncipes a recebem. Há sempre mais sentimento em conquistar do que em desfrutar.


CCXXXIII.
Nous croyons négliger la gloire par pure paresse, tandis que nous prenons des peines infinies pour le plus petit intérêt.

Pensamos não cultivar a glória por pura preguiça, enquanto fazemos esforços sem fim pelo menor interesse.


CCXXXIV.
Nous aimons quelquefois jusqu'aux louanges que nous ne croyons pas sincères.

À vezes gostamos até dos elogios que não julgamos sinceros.


CCXXXV.
Il faut de grandes ressources dans l'esprit et dans le coeur pour goûter la sincérité lorsqu'elle blesse, ou pour la pratiquer sans qu'elle offense. Peu de gens ont assez de fonds pour souffrir la vérité et pour la dire.

É preciso ter grandes recursos no espírito e no coração para apreciar a sinceridade quando ela fere ou praticá-la sem que ela ofenda. Poucas pessoas têm estofo suficiente para suportar a verdade e para dizê-la.


CCXXXVI.
Il y a des hommes qui, sans y penser, se forment une idée de leur figure, qu'ils empruntent du sentiment qui les domine; et c'est peut-être par cette raison qu'un fat se croit toujours beau.

Existem homens que, sem perceber, formam uma idéia de sua imagem, que tomam emprestada do sentimento que os domina; talvez seja por esta razão que um vaidoso sempre se acha bonito.


CCXXXVII.
Ceux qui n'ont que de l'esprit ont du goût pour les grandes choses et de la passion pour les petites.

Quem só possui espírito tem gosto pelas coisas grandes e paixão pelas pequenas.


CCXXXVIII.
La plupart des hommes vieillissent dans un petit cercle d'idées qu'ils n'ont pas tirées de leur fonds; il y a peut-être moins d'esprits faux que de stériles.

A maioria dos homens envelhece num pequeno círculo de idéias que não buscaram em si mesmos; há, talvez, menos mentes equivocadas do que estéreis.


CCXXXIX.
Tout ce qui distingue les hommes paraît peu de chose. Qu'est-ce qui fait la beauté ou la laideur, la santé ou l'infirmité, l'esprit ou la stupidité? une légère différence des organes, un peu plus ou un peu moins de bile, etc. Cependant, ce plus ou ce moins est d'une importance infinie pour les hommes; et lorsqu'ils en jugent autrement, ils sont dans l'erreur.

Tudo aquilo que diferencia os homens parece pouca coisa. O que é que faz a beleza ou a feiúra, a saúde ou a enfermidade, a espirituosidade ou a estupidez? uma ligeira diferença orgânica, um pouco menos ou mais de bílis, etc. No entanto, este mais ou menos é de uma importância infinita para os homens; e se julgam que não, estão errados.


CCXL.
Deux choses peuvent à peine remplacer, dans la vieillesse, les talents et les agréments: 1a réputation ou les richesses.

Duas coisas, na velhice, mal conseguem substituir os talentos e os encantos: a reputação e as riquezas.


CCXLI.
Nous n'aimons pas les zélés qui font profession de mépriser tout ce dont nous nous piquons, pendant qu'ils se piquent eux-mêmes de choses encore plus méprisables.

Não gostamos dos zelosos que se especializam em desprezar tudo aquilo de que nos orgulhamos, ao passo que eles mesmos se orgulham de coisas ainda mais desprezíveis.


CCXLII.
Quelque vanité qu'on nous reproche, nous avons besoin quelquefois qu'on nous assure de notre mérite.

Por mais que nos condenem a vaidade, precisamos às vezes que nos confirmem nosso mérito.


CCXLIII.
Nous nous consolons rarement des grandes humiliations; nous les oublions.

Raramente nos consolamos das grandes humilhações: as esquecemos.


CCXLIV.
Moins on est puissant dans le monde, plus on peut commettre de fautes impunément ou avoir inutilement un vrai mérite.

Quanto menos poderosos somos no mundo, mais podemos cometer erros impunemente ou possuir inutilmente um verdadeiro mérito.


CCXLV.
Lorsque la fortune veut humilier les sages, elle les surprend dans ces petites occasions où l'on est ordinairement sans précaution et sans défense. Le plus habile homme du monde ne peut empêcher que de légères fautes n'entraînent quelquefois d'horribles malheurs; et il perd sa réputation ou sa fortune par une petite imprudence, comme un autre se casse la jambe en se promenant dans sa chambre.

Quando a fortuna quer humilhar os sábios, surpreende-os naquelas pequenas ocasiões em que se está geralmente sem precaução e sem defesa. O homem mais hábil do mundo não pode impedir que faltas leves acarretem, às vezes, terríveis desgraças. E perde sua reputação ou fortuna por uma pequena imprudência, como um outro quebra a perna andando pelo quarto.


CCXLVI.
Soit vivacité, soit hauteur, soit avarice, i1 n'y a point d'homme qui ne porte dans son caractère une occasion continuelle de faire des fautes; et si elles sont sans conséquence, c'est à la fortune qu'il le doit.

Por vivacidade, altivez, avareza, não há homem que não traga no próprio caráter a oportunidade contínua de cometer erros; e se eles são sem gravidade, é à fortuna que ele o deve.


CCXLVII.
Nous sommes consternés de nos rechutes, et de voir que nos malheurs mêmes n'ont pu nous corriger de nos défauts.

Ficamos consternados com nossas recaídas e ao perceber que nem nossos infortúnios puderam corrigir nossos defeitos.


CCXLVIII.
La nécessité modère plus de peines que la raison.

A necessidade ameniza mais sofrimentos que a razão.


CCXLIX.
La necessité empoisonne les maux qu'elle ne peut guérir.

A necessidade envenena os males que ela não pode curar.


CCL.
Les favoris de la fortune ou de la gloire, malheureux à nos yeux, ne nous détournent point de l'ambition.

Os escolhidos pela fortuna ou pela glória, ao nosso ver infelizes, não nos desviam da ambição.


CCLI.
La patience est l'art d'espérer.

A paciência é a arte de esperar.


CCLII.
Le désespoir comble non seulement notre misère, mais notre faiblesse.

O desespero maximiza não só nosso infortúnio, mas também nossa fraqueza.

CCLIII.
Ni les dons, ni les coups de la fortune n'égalent ceux de la nature, qui la passe en rigueur comme en bonté.
As dádivas ou golpes do destino não se igualam aos da natureza, que o supera tanto em rigor como em bondade.


CCLIV.
Les biens et les maux extrêmes ne se font pas sentir aux âmes médiocres.

O bem e o mal extremos não se fazem sentir pelas almas medíocres.


CCLV.
Il y a peut-être plus d'esprits légers dans ce qu'on appelle le monde que dans les conditions moins fortunées.

Talvez haja mais pessoas levianas na assim chamada sociedade do que nos meios menos afortunados.


CCLVI.
Les gens du monde ne s'entretiennent pas de si petites choses que le peuple; mais le peuple ne s'occupe pas de choses si frivoles que les gens du monde.

As elites não se entretêm com coisas tão pequenas como as do povo; mas o povo não se ocupa de coisas tão frívolas como as da elite.


CCLVII.
On trouve dans l'histoire de grands personnages que la volupté ou l'amour ont gouvernés; elle n'en rappelle pas à ma mémoire qui aient été galants. Ce qui fait le mérite essentiel de quelques hommes ne peut même subsister dans quelques autres comme un faible.

Encontramos na história grandes personagens governados pela volúpia ou pelo amor; ela não me traz à memória nenhum que fosse galante. O que faz o mérito essencial de alguns homens não sobrevive nem como fraqueza em outros.


CCLVIII.
Nous courons quelquefois les hommes qui nous ont imposé par leurs dehors, comme de jeunes gens qui suivent amoureusement un masque, le prenant pour la plus belle femme du monde, et qui le harcèlent jusqu'à ce qu'ils l'obligent de se découvrir et de leur faire voir qu'il est un petit homme avec de la barbe et un visage noir.

Procuramos às vezes os homens que nos impressionaram por sua aparência, como jovens que seguem apaixonadamente um mascarado, tomando-o pela mulher mais linda do mundo, atormentando-o até obrigá-lo a descobrir-se e fazer com que percebam que se trata de um homem baixinho de rosto preto e de barba.


CCLIX.
Le sot s'assoupit et fait la sieste en bonne compagnie, comme un homme que la curiosité a tiré de son élément et qui ne peut ni respirer ni vivre dans un air subtil.

O tolo, em boa companhia, adormece e faz a sesta, como alguém que, por curiosidade, foi tirado de seu meio, e não consegue respirar nem viver num ar rarefeito.


CCLX.
Le sot est comme le peuple, qui se croit riche de peu.

O tolo é como o povo, que se julga rico com pouco.


CCLXI.
Lorsqu'on ne veut rien perdre ni cacher de son esprit on en diminue d'ordinaire la réputation.

Quem nada quer perder ou ocultar do próprio espírito, geralmente acaba minorando o seu prestígio.


CCLXII.
Des auteurs sublimes n'ont pas négligé de primer encore par les agréments, flattés de remplir l'intervalle de ces deux extrêmes et d'embrasser toute la sphère de l'esprit humain. Le public, au lieu d'applaudir à l'universalité de leurs talents, a cru qu'ils étaient incapables de se soutenir dans l'héroïque; et on n'ose les égaler à ces grands hommes qui, s'étant renfermés dans un seul et beau caractère, paraissent avoir dédaigné de dire tout ce qu'ils ont tu et abandonné aux génies subalternes les talents médiocres.

Autores sublimes não descuidaram de primar também no entretenimento, orgulhosos de preencher o lapso entre os dois extremos e abranger toda a esfera do espírito humano. O público, ao invés de aplaudir a universalidade de seus talentos, pensou que eram incapazes de se manterem no heróico; e não se ousa igualá-los aos grandes homens que, se restringindo a um só e belo tipo, parecem ter desdenhado dizer tudo o que calaram e delegado aos gênios subalternos os talentos medianos.


CCLXIII.
Ce qui paraît aux uns étendue d'esprit n'est, aux yeux des autres, que mémoire et légèreté.

O que para uns parece vastidão de espírito para outros não passa de memória e leviandade.


CCLXIV.
Il est aisé de critiquer un auteur, mais il est difficile de l'apprécier.

É fácil criticar um autor, mas é difícil apreciá-lo.


CCLXV.
Je n'ôte rien à l'illustre Racine, le plus sage et le plus élégant des poètes, pour n'avoir pas traité beaucoup de choses qu'il eût embellies, content d'avoir montré dans un seul genre la richesse et la sublimité de son esprit. Mais je me sens forcé de respecter un génie* hardi et fecond, élevé, pénétrant, facile, infatigable; aussi ingénieux et aussi aimable dans les ouvrages de pur agrément que vrai et pathétique dans les autres; d'une vaste imagination, qui a embrassé et pénétré rapidement toute l'économie des choses humaines; à qui ni les sciences abstraites, ni les arts, ni la politique, ni les moeurs des peuples, ni leurs opinions, ni leurs histoires, ni leur langue même, n'ont pu échapper; illustre en sortant de l'enfance, par la grandeur et par la force de sa poésie féconde en pensées, et bientôt après par les charmes et par le caractère original et plein de raison de sa prose; philosophe et peintre sublime, qui a semé avec éclat, dans ses écrits, tout ce qu'il y a de grand dans l'esprit des hommes; qui a représenté les passions avec des traits de feu et de lumière, et enrichi le théâtre de nouvelles grâces; savant à imiter le caractère et à saisir l'esprit des bons ouvrages de chaque nation par l'extrême étendue de son génie, mais n'imitant rien, d'ordinaire, qu'il ne l'embellisse; éclatant jusque dans les fautes qu'on a cru remarquer dans ses écrits, et tel que, malgré leurs defauts et malgré les efforts de la critique, il a occupé sans relâche de ses veilles ses amis et ses ennemis et porté chez les étrangers, dès sa jeunesse, la réputation de nos lettres, dont il a recué‚ toutes les bornes.

Não censuro o ilustre Racine, o mais sábio e elegante de todos os poetas, por não ter tratado de muitas coisas que teria tornado mais belas, contentando-se em mostrar num único gênero a riqueza e o sublime de seu espírito. Mas me sinto obrigado a respeitar um talento* ousado e fecundo, elevado, penetrante, fácil, incansável; tão engenhoso e agradável nas obras de puro entretenimento quanto verdadeiro e patético nas outras; de imaginação vasta, que abrangeu e penetrou rapidamente toda a economia das coisas humanas; a quem não puderam escapar as ciências abstratas, as artes, a política, os costumes dos povos, suas opiniões, sua história, e nem mesmo sua linguagem; ilustre ao sair da infância pela grandeza e força de sua poesia fecunda em idéias, e logo em seguida pelo encanto e caráter original e tão sensato de sua prosa; filósofo e pintor sublime, que semeou com brilho em seus escritos tudo o que há de grande no espírito humano; que representou as paixões com seus traços de fogo e luz e enriqueceu o teatro com novos encantos; mestre, pela extrema vastidão de seu talento, em imitar o caráter e captar o espírito das grandes obras de cada nação, mas nada imitando, em geral, sem embelezá-lo; brilhante até nos erros que pensaram encontrar em seus escritos, de tal modo que, apesar das falhas e apesar dos esforços da crítica, entreteve sem trégua em seus serões seus amigos e inimigos e, desde jovem, levou aos estrangeiros a fama de nossas letras, das quais ampliou todos os limites.

* Trata-se, provavelmente, de Voltaire (1694-1778).


CCLXVI.
Si on ne regarde que certains ouvrages des meilleurs auteurs, on sera tenté de les mépriser. Pour les apprécier avec justice, il faut tout lire.

Se considerarmos apenas determinadas obras dos melhores autores, seremos tentados a desprezá-los. Para apreciá-los com justiça, é preciso ler tudo.


CCLXVII.
Il ne faut point juger des hommes par ce qu'ils ignorent, mais par ce qu'ils savent, et par la manière dont ils le savent.

Não se deve julgar os homens por aquilo que ignoram, mas por aquilo que sabem, e pelo modo como o sabem.


CCLXVIII.
On ne doit pas non plus demander aux auteurs une perfection qu'ils ne puissent atteindre. C'est faire trop d'honneur à l'esprit humain de croire que des ouvrages irréguliers n'aient pas le droit de lui plaire, surtout si ces ouvrages peignent les passions. Il n'est pas besoin d'un grand art pour faire sortir les meilleurs esprits de leur assiette et pour leur cacher les défauts d'un tableau hardi et touchant. Cette parfaite régularité qui manque aux auteurs ne se trouve point dans nos propres conceptions. Le caractère naturel de l'homme ne comporte pas tant de règle. Nous ne devons pas supposer dans le sentiment une délicatesse que nous n'avons que par réflexion. Il s'en faut de beaucoup que notre goût soit toujours aussi difficile à contenter que notre esprit.

Também não se deve pedir aos autores uma perfeição que não podem alcançar. Seria superestimar o espírito humano acreditar que obras irregulares não têm direito de agradá-lo, principalmente se estas obras retratam as paixões. Não é preciso uma grande arte para desarmar os espíritos mais elevados e esconder-lhes os defeitos de um quadro tocante e audacioso. Essa regularidade perfeita de que os autores carecem não se encontra em nossas próprias concepções. O caráter natural do homem não contém tanta regra. Não devemos esperar do sentimento uma delicadeza que só alcançamos através da reflexão. Nosso gosto está longe de ser tão difícil de contentar como nosso espírito.


CCLXIX.
Il nous est plus facile de nous teindre d'une infinité de connaissances que d'en bien posséder un petit nombre.

É mais fácil nos maquiarmos com uma infinidade de conhecimentos do que dominarmos bem só alguns poucos.


CCLXX.
Jusqu'à ce qu'on rencontre le secret de rendre les esprits plus justes, tous les pas que l'on pourra faire dans la vérité n'empêcheront pas les hommes de raisonner faux; et plus on voudra les pousser au delà des notions communes, plus on les mettra en péril se tromper.

Até que se encontre o segredo de tornar as mentes mais justas, todos os passos que possam se dar dentro da verdade não irão impedir os homens de raciocinar erroneamente: e quanto mais se quiser fazer com que avancem além das noções comuns, mais se fará com que corram o risco de errar.


CCLXXI.
Il n'arrive jamais que la littérature et l'esprit de raisonnement deviennent le partage de toute une nation, qu'on ne voie aussitôt, dans la philosophie et dans les beaux-arts, ce qu'on remarque dans les gouvernements populaires, où il n'y a point de puérilités et de fantaisies qui ne se produisent et ne trouvent des partisans.

Nunca acontece de a literatura e o espírito de raciocínio se tornarem o patrimônio de toda uma nação sem que imediatamente se faça notar, na filosofia e nas belas-artes, o que se observa nos governos populares, nos quais não há puerilidade ou fantasia que não apareçam e não encontrem seguidores.


CCXXII.
L'erreur, ajoutée à la vérité, ne l'augmente point. Ce n'est pas étendre la carrière des arts que d'admettre de mauvais genres: c'est gâter le goût; c'est corrompre le jugement des hommes, qui se laisse aisément séduire par les nouveautés et qui mêlant, ensuite vrai et le faux, se détourne bientôt, dans ses productions, de l'imitation de la nature et s'appauvrit ainsi en peu de temps par la vaine ambition d'imaginer et de s'écarter des anciens modèles.

O erro, somado à verdade, não a torna maior. Admitir gêneros ruins não amplia a carreira das artes: estraga o gosto. Corrompe o juízo dos homens, que se deixa facilmente seduzir pelas novidades e, misturando o falso e o verdadeiro, logo se afasta, em suas produções, da imitação da natureza, e se empobrece, assim, em pouco tempo, pela ambição vã de criar e de se distanciar dos modelos antigos.


CCXXIII.
Ce que nous appelons une pensée brillante n'est ordinairement qu'une expression captieuse qui, à l'aide d'un peu de vérité, nous impose une erreur qui nous étonne.

O que chamamos de idéia brilhante geralmente não passa de uma expressão capciosa que, com a ajuda de um pouco de verdade, nos impõe um erro que nos surpreende.


CCXXIV.
Qui a le plus a, dit-on, le moins: cela est faux. Le roi d'Espagne, tout puissant qu'il est, ne peut rien à Lucques. Les bornes de nos talents sont encore plus inébranlables que celles des empires; et on usurperait plutôt toute la terre que la moindre vertu.

Dizem que quanto mais se tem,menos se tem: é falso. O rei da Espanha, poderoso como é, não pode nada em Lucques. Os limites de nossos talentos são ainda mais inabaláveis que os dos impérios; usurparíamos mais facilmente a terra inteira do que a menor virtude.


CCXXV.
La plupart des grands personnages ont été les hommes de leur siècle les plus éloquents. Les auteurs des plus beaux systèmes, les chefs de partis et de sectes, ceux qui ont eu dans tous les temps le plus d'empire sur l'esprit des peuples, n'ont dû la meilleure partie de leurs succès qu'à l'éloquence vive et naturelle de leur âme. Il ne paraît pas qu'ils aient cultivé la poésie avec le même bonheur. C'est que la poésie ne permet guère que l'on se partage et qu'un art si sublime et si pénible se peut rarement allier avec l'embarras des affaires et les occupations tumultueuses de la vie: au lieu que l'éloquence se mêle partout et qu'elle doit la plus grande partie de ses séductions à l'esprit de médiation et de manège, qui font les hommes d'État et les politiques, etc.

Os grandes personagens, em sua maioria, foram os homens mais eloqüentes do seu século. Os autores dos mais belos sistemas, os chefes de partidos e seitas, aqueles que em todas as épocas tiveram maior ascendência sobre o espírito dos povos, deveram a melhor parte do seu sucesso apenas à natural e vivaz eloqüência de sua alma. Não parece que tenham cultivado a poesia com o mesmo sucesso. É que a poesia não permite a divisão, e uma arte tão sublime e difícil raramente consegue se aliar à dificuldade dos negócios e às ocupações tumultuosas da vida: enquanto que a eloqüência se imiscui em tudo e deve a maioria de seus encantos ao espírito de mediação e manipulação que forma os homens de Estado e os políticos, etc.


CCXXVI.
C'est une erreur dans les grands de croire qu'i peuvent prodiguer sans conséquence leurs paroles et leurs promesses. Les hommes souffrent avec peine qu'on leur ôte ce qu'ils se sont en quelque sorte approprié par l'espérance. On ne les trompe pas longtemps sur leurs intérêts et ils ne haïssent rien tant que d'être dupes. C'est par cette raison qu'il est si rare que la fourberie réussisse; il faut de la sincérité et de la droiture, même pour séduire. Ceux qui ont abusé 1es peuples sur quelque intérêt général étaient fidèles au particuliers; leur habileté consistait à captiver 1es esprits par des avantages réels. Quand on connaît bien les hommes et qu'on veut les faire servir à ses desseins, on ne compte point sur un appât aussi frivole que celui des discours et des promesses. Ainsi les grands orateurs, s'il m'est permis de joindre ces deux choses, ne s'efforcent pas d'imposer par un tissu de flatteries et d'impostures, par une dissimulation continuelle et par un langage purement ingénieux: s'ils cherchent à faire illusion sur quelque point principal ce n'est qu'à force de sincérité et de vérités de détail: car le mensonge est faible par lui-même: il faut qu'il se cache avec soin; et s'il arrive qu'on persuade quelque chose par des discours capiteux, ce n'est pas sans beaucoup de peine. On aurait grand tort d'en conclure que ce soit en cela que consiste l'éloquence. Jugeons au contraire par ce pouvoir des simples apparences de la verité, combien la vérité elle-même est éloquente et supérieure à notre art.

É um erro dos poderosos eles pensarem que podem prodigar impunemente suas palavras e promessas. Os homens suportam dificilmente que lhes retirem aquilo de que, de certa forma, se apossaram através da esperança. Não se deixam enganar muito tempo nos seus interesses, e não há nada que odeiem tanto como serem ludibriados. É por esta razão que é raro a fraude dar certo; é preciso sinceridade e retidão até para seduzir. Os que enganaram os povos num interesse geral eram fiéis aos particulares; sua habilidade consistia em cativar os espíritos com benefícios reais. Quem conhece bem os homens e quer fazer com que sigam seus desígnios, não conta com atrativo tão frívolo como o dos discursos e promessas. Assim, os grandes oradores, se me permitem juntar as duas coisas, não fazem esforço para impressionar através de uma teia de bajulações e imposturas, de contínua dissimulação e uma linguagem simplesmente engenhosa: se procuram iludir sobre algum ponto principal o fazem usando muita sinceridade e verdade nos detalhes: pois a mentira é fraca por si só: deve esconder-se com cuidado; e quando se consegue ser convincente com discursos inflamados, não é sem muito esforço. Seria incorreto concluir que nisto consiste a eloqüência. Julguemos, pelo contrário, por esse poder das simples aparências da verdade, o quanto a própria verdade é eloqüente e superior à nossa arte.


CCXXVII.
Un menteur est un homme qui ne sait pas tromper; un flatteur, celui qui ne trompe ordinairement que les sots. Celui qui sait se servir avec adresse de la vérité, et qui en connaît l'éloquence, peut seul se piquer d'être habile.

O mentiroso é um homem que não sabe enganar; o bajulador é o que geralmente só engana os tolos. Só quem sabe usar a verdade com destreza e conhece a sua eloqüência pode se orgulhar de ser hábil.


CCXXVIII.
Est-il vrai que les qualités dominantes excluent les autres? Qui a plus d'imagination que Bossuet, Montaigne, Descartes, Pascal, tous grands philosophes? Qui a plus de jugement et de sagesse que Racine, Boileau, La Fontaine, Molière, tous poètes pleins de génie?

Será verdade que as qualidades dominantes excluem as outras? Quem tem mais imaginação que Bossuet, Montaigne, Descartes, Pascal, todos eles grandes filósofos? Quem tem mais entendimento e sabedoria que Racine, Boileau, La Fontaine, Molière, todos eles poetas geniais?


CCXXIX.
Descartes a pu se tromper dans quelques-uns de ses principes et ne se point tromper dans ses conséquences, sinon rarement. On aurait donc tort, ce me semble, de conclure de ses erreurs que l'imagination et l'invention ne s'accordent point avec la justesse. La grande vanité de ceux qui n'imaginent pas est de se croire seuls judicieux. Ils ne font pas attention que les erreurs de Descartes, génie créateur, ont été celle de trois ou quatre mille philosophes, tous gens sans imagination. Les esprits subalternes n'ont point d'erreur en leur privé nom, parce qu'ils sont incapable d'inventer, même en se trompant; mais ils sont toujours entraînés sans le savoir par l'erreur d'autrui; et lorsqu'ils se trompent d'eux-mêmes, ce qui peut arriver souvent, c'est dans des détails et des conséquences. Mais leurs erreurs ne sont ni assez vraisemblables pour être contagieuses, ni assez importantes pour faire du bruit.

Descartes pode ter se enganado em alguns dos seus princípios e não ter se enganado em suas conseqüências, a não ser raramente. Seria incorreto, me parece, concluir de seus erros que imaginação e inventividade não combinam com exatidão. A grande vaidade dos que não imaginam é pensar que só eles são judiciosos. Eles não consideram que os erros de Descartes, gênio criador, foram os mesmos de três ou quatro mil filósofos, todos eles gente sem imaginação. As mentes subordinadas não erram por conta própria porque são incapazes de criar, ainda que se enganando; mas sempre são arrastadas à sua revelia pelo erro alheio; e quando se enganam por si próprias, o que pode ocorrer seguidamente, o fazem em detalhes e conseqüências. Mas seus erros não são suficientemente verossímeis para ser contagiosos, nem suficientemente importantes para fazer barulho.


CCXXX.
Ceux qui sont nés éloquents parlent quelquefois avec tant de clarté et de brièveté des grandes choses que la plupart des hommes n'imaginent pas qu'ils en parlent avec profondeur. Les esprits pesants, le sophistes, ne reconnaissent pas la philosophie lorsque l'éloquence la rend populaire et qu'elle ose peindre le vrai avec des traits fiers et hardis. Ils traitent de superficielle et de frivole cette splendeur d'expression qui emporte avec elle la preuve des grandes pensées. Ils veulent des définitions, des discussions, des détails et des arguments. Si Locke eût rendu vivement en peu de pages les sages vérités de ses écrits, ils n'auraient pas osé le compter parmi les philosophes de son siècle.

Os que nasceram eloqüentes às vezes falam das coisas grandes com tanta clareza e brevidade que a maioria dos homens não supõe que estejam falando com profundidade. As mentes lerdas, os sofistas, não reconhecem a filosofia quando a eloqüência a torna popular e quando ousa retratar a verdade com linhas altivas e ousadas. Chamam de superficial e frívolo este esplendor de expressão que traz em si a prova das grandes idéias. Querem definições, discussões, detalhes e argumentos. Se Locke tivesse ardentemente colocado em poucas páginas as sábias verdades de seus escritos, não teriam ousado incluí-lo entre os filósofos do seu século.


CCXXXI.
C'est un malheur que les hommes ne puissent d'ordinaire posséder aucun talent sans avoir quelque envie d'abaisser les autres. S'ils ont la finesse, ils décrient la force; s'ils sont géomètres ou physiciens, ils écrivent contre la poésie et l'éloquence: et les gens du monde, qui ne pensent pas que ceux qui ont excellé dans quelque genre jugent mal d'un autre talent, se laissent prévenir par leurs décisions. Ainsi, quand la métaphysique ou l'algèbre sont à la mode, ce sont des métaphysiciens ou des algébristes qui font la réputation des poètes et des musiciens, ou tout au contraire: l'esprit dominant assujettit les autres à son tribunal, et la plupart du temps à ses erreurs.

É uma pena que os homens geralmente não saibam possuir algum talento sem ter certa vontade de rebaixar os outros. Quando possuem requinte, depreciam a força; quando são geômetras ou físicos, escrevem atacando a poesia e a eloqüência: e as pessoas da sociedade, que não pensam que os que se sobressaem em algum gênero julgam mal algum outro talento, deixam-se influenciar por suas decisões. Assim, quando a metafísica ou a álgebra estão na moda, os metafísicos e algebristas é que fazem a reputação dos poetas e dos músicos, ou bem ao contrário: o espírito dominante submete os outros ao seu tribunal, e na maior parte do tempo, aos seus erros.


CCXXXII.
Qui peut se vanter de juger, ou d'inventer, ou d'entendre à toutes les heures du jour? Les hommes n'ont qu'une petite portion d'esprit, de goût, de talent, de vertu, de gaieté, de santé, de force, etc.; et ce peu qu'ils ont en partage, ils ne le possèdent point à leur volonté, ni dans le besoin, ni dans tous les âges.

Quem pode se gabar de julgar bem, criar ou compreender a qualquer hora do dia? Os homens só dispõem de uma pequena porção de inteligência, gosto, talento, virtude, alegria, saúde, força, etc.; e este pouco que lhes cabe, não o possuem segundo sua vontade, na necessidade, nem em todas as idades.


CCXXXIII.
C'est une maxime inventée par l'envie et trop légèrement adoptée par les philosophes, qu'il ne faut point louer les hommes avant leur mort. Je dis au contraire que c'est pendant leur vie qu'il faut les louer, lorsqu'ils ont mérité de l'être. C'est pendant que la jalousie et la calomnie, animées contre leur vertu ou leurs talents, s'efforcent de les dégrader, qu'il faut oser leur rendre témoignage. Ce sont les critiques injustes qu'il faut craindre de hasarder, et non les louanges sincères.

É uma máxima criada pela inveja e muito levianamente adotada pelos filósofos, a de que não se deve elogiar os homens antes de sua morte. Eu digo, pelo contrário, que é em vida que se deve elogiá-los, quando o merecem. É enquanto a inveja e a calúnia, atiçadas contra sua virtude ou talento, se esforçam para degradá-lo que é preciso ousar testemunhar em seu favor. São as críticas injustas que se deve hesitar em fazer, e não os elogios sinceros.


CCXXXIV.
L'envie ne saurait se cacher. Elle accuse et juge sans preuves; elle grossit les défauts; elle a des qualifications énormes pour les moindres fautes; son langage est rempli de fiel, d'exagération et d'injure. E s'acharne avec opiniâtreté et avec fureur contre le mérite éclatant. Elle est aveugle, emportée, insensée, brutale.

A inveja não sabe se esconder. Acusa e julga sem provas; aumenta os defeitos; dá enormes qualificativos às mínimas falhas; sua linguagem é repleta de fel, exagero e injúria. Ataca furiosa e obstinadamente o mérito fulgurante. É cega, violenta, insensata, brutal.


CCXXXV.
Il faut exciter dans les hommes les sentiments de leur prudence et de leur force, si on veut élever leur génie. Ceux qui, par leurs discours ou leurs écrits, ne s'attachent qu'à relever les ridicules et les faiblesses de l'humanité, sans distinctions ni égards, éclairent bien moins la raison et les jugements du public qu'ils ne dépravent ses inclinations.

É preciso provocar nos homens o sentimento de sua prudência e força, se quisermos elevar seu entendimento. Aqueles que, através de seus discursos e escritos, só se dedicam a destacar os ridículos e as fraquezas da humanidade, sem distinção nem cuidado, esclarecem bem menos a razão e o juízo do público do que distorcem suas tendências.


CCXXXVI.
Je n'admire point un sophiste qui réclame contre la gloire et contre l'esprit des grands hommes. En ouvrant mes yeux sur le faible des plus beaux génies, il m'apprend à l'apprécier lui-même ce qu'il peut valoir. Il est le premier que je raye du tableau des hommes illustres.

Não admiro o sofista que protesta contra a glória e o espírito dos grandes homens. Ao abrir meus olhos para os pontos fracos dos mais belos gênios, ele próprio me ensina a apreciá-lo pelo que vale. É o primeiro que risco do quadro dos homens ilustres.


CCXXXVII.
Nous avons grand tort de penser que quelque défaut que ce soit puisse exclure toute vertu ou de regarder l'alliance du bien et du mal comme un monstre ou comme une énigme. C'est faute de pénétration que nous concilions si peu de choses.

Cometemos um grande erro ao pensar que um defeito, qualquer que seja, pode excluir toda virtude, ou em considerar a aliança entre o bem e o mal como um monstro ou enigma. É por falta de perspicácia que conciliamos tão poucas coisas.


CCXXXVIII.
Les faux philosophes s'efforcent d'attirer l'attention des hommes, en faisant remarquer dans notre esprit des contrariétés et des difficultés qu'ils forment eux-mêmes, comme d'autres amusent les enfants par des tours de cartes qui confondent leur jugement, quoique naturels et sans magie. Ceux qui nouent ainsi les choses, pour avoir le mérite de les dénouer, sont des charlatans de la morale.

Os falsos filósofos se esforçam para chamar a atenção dos homens, notando em nosso espírito contrariedades e dificuldades que eles mesmos criam, como outros divertem as crianças com truques de baralho que confundem seu entendimento, mesmo que naturais e sem mágica. Aqueles que enredam assim as coisas para obter o mérito de desenredá-las são charlatães da moral.


CCXXXIX.
Il n'y a point de contradictions dans la nature.

Não existe contradição na natureza.


CCXC.
Est-il contre la raison ou la justice de s'aimer soi-même? Et pourquoi voulons-nous que l'amour-propre soit toujours un vice?

Será contrário à razão ou à justiça amar a si mesmo? E por que será que o amor-próprio tem que ser sempre um vício?


CCXCI.
S'il y a un amour de nous-mêmes naturellement officieux et compatissant, et un autre amour-propre sans humanité, sans équité, sans bornes, sans raison, faut-il les confondre?

Se existe um amor por nós mesmos naturalmente solícito e compassivo, e um outro amor-próprio sem humanidade, sem eqüidade, sem limites, sem razão, será preciso confundi-los?


CCXCII.
Quand il serait vrai que les hommes ne seraient vertueux que par la raison, que s'ensuivrait-il? Pourquoi, si on nous loue avec justice de nos sentiments, ne nous louerait-on pas encore de notre raison? Est-elle moins nôtre que la volonté?

E se fosse verdade que os homens só são virtuosos graças à razão, qual o problema? Por que é que, se nos elogiam com justiça por nossos sentimentos, não elogiariam também por nossa razão? Será a razão menos nossa que a vontade?


CCXCIII.
On suppose que ceux qui servent la vertu par réflexion, la trahiraient pour le vice utile. Oui, si le vice pouvait être tel aux yeux d'un esprit raisonnable.

Supõe-se que aqueles que servem a virtude graças à reflexão, a trairiam pelo vício útil. Sim, se o vício pudesse ser útil aos olhos de um espírito sensato.


CCXCIV.
Il y a des semences de bonté et de justice dans le coeur de l'homme, si l'intérêt propre y domine. J'ose dire que cela est non seulement selon la nature, mais aussi selon la justice, pourvu que personne ne souffre de cet amour-propre ou que la socité y perde moins qu'elle n'y gagne.

Há sementes de bondade e justiça no coração do homem quando nele impera o interesse próprio. Me atrevo a dizer que isto não só é conforme à natureza, mas também conforme à justiça, desde que ninguém sofra por causa deste amor-próprio ou que com ele a sociedade perca menos do que ganha.


CCXCV.
Celui qui recherche la gloire par la vertu ne demande que ce qu'il mérite.

Quem busca a glória através da virtude só está pedindo o que merece.


CCXCVI.
J'ai toujours trouvé ridicule que les philosophes aient fait une vertu incompatible avec la nature de l'homme; et qu'après l'avoir ainsi feinte, ils aient prononcé froidement qu'il n'y avait aucune vertu. Qu'ils parlent du fantôme de leur imagination; ils peuvent à leur gré l'abandonner ou le détruire, puisqu'ils l'ont créé: mais la véritable vertu, celle qu'ils ne veulent pas nommer de ce nom, parce qu'elle n'est pas conforme à leurs définitions, celle qui est l'ouvrage de la nature, non le leur, et qui consiste principalement dans la bonté et la vigueur de l'âme, celle-ci n'est point dépendante de leur fantaisie et subsistera à jamais avec des caractères ineffaçables.

Sempre achei ridículo os filósofos terem criado uma virtude incompatível com a natureza do homem; e depois de a terem assim simulado, declararem friamente que não existe virtude. Que falem do fantasma da sua imaginação; podem abandoná-lo ou destruí-lo a bel prazer, já que o criaram; mas a verdadeira virtude, a que eles não querem chamar por este nome por não estar conforme às suas definições, a que é obra da natureza, não deles, e que consiste principalmente na bondade e vigor da alma, esta não depende de sua fantasia e sobreviverá eternamente com traços indeléveis.


CCXCVII.
Le corps a ses grâces, l'esprit ses talents. Le coeur n'aurait il que des vices? et l'homme, capable de raison, serait il incapable de vertu?

O corpo tem seus encantos, o espírito seus talentos. O coração só teria vícios? E o homem, capaz de razão, seria incapaz de virtude?


CCXCVIII.
Nous sommes susceptibles d'amitié, de justice, d'humanité, de compassion et de raison. O mes amis! qu'est ce donc que la vertu?

Somos capazes de amizade, justiça, humanidade, compaixão e razão. Oh, meus amigos! O que é então a virtude?


CCXCIX.
Si l'illustre auteur des Maximes eût été tel qu'il a tâché de peindre tous les hommes, mériterait il nos hommages et le culte idolâtre de ses prosélytes?

Se o ilustre autor* das Máximas tivesse sido tal como procurou retratar os homens, mereceria ele nossas homenagens e o culto idólatra de seus prosélitos?

* La Rochefoucault (1613-1680).


CCC.
Ce qui fait que la plupart des livres de morale sont si insipides, et que leurs auteurs ne sont pas sincères, c'est que, faibles échos les uns des autres, ils n'oseraient produire leurs propres maximes et leurs secrets sentiments. Ainsi, non seulement dans la morale, mais en quelque sujet que ce puisse être, presque tous les hommes passent leur vie à dire et à écrire ce qu'ils ne pensent point; et ceux qui conservent encore quelque amour de la vérité, excitent contre eux la colère et les préventions du public.

O que faz com que a maioria dos livros de moral sejam tão insípidos e que seus autores não sejam sinceros é que, débeis ecos uns dos outros, não ousam expor suas próprias máximas e seus sentimentos íntimos. Assim, não só na moral, mas em qualquer assunto, quase todos os homens passam a vida dizendo e escrevendo o que não pensam; e aqueles que ainda conservam algum amor pela verdade provocam a raiva e a rejeição do público.


CCCI.
Il n'y a guère d'esprits qui soient capables d'embrasser à la fois toutes les faces de chaque sujet: et c'est là, à ce qu'il me semble, la source la plus ordinaire des erreurs des hommes. Pendant que la plus grande partie d'une nation languit dans la pauvreté, l'opprobre et le travail, l'autre, qui abonde en honneurs, en commodités, en plaisirs, ne se lasse pas d'admirer le pouvoir de la politique, qui fait fleurir les arts et le commerce et rend les États redoutables.

Não há inteligência capaz de abarcar a um só tempo todas as facetas de um mesmo assunto: e aí está, me parece, a fonte mais comum dos erros dos homens. Enquanto a maior parte de uma nação padece na pobreza, no opróbrio e no trabalho, a outra, plena de honrarias, confortos, prazeres, não se cansa de admirar o poder da política, que faz florescer as artes e o comércio e torna os Estados temíveis.


CCCII.
Les plus grands ouvrages de l'esprit humain sont tres assurément les moins parfaits. Les lois, qui sont la plus belle invention de la raison, n'ont pu assurer le repos des peuples sans diminuer leur liberté.

As maiores obras do espírito humano são certamente as menos perfeitas. As leis, que são a mais bela criação da razão, não conseguiram assegurar a tranqüilidade dos povos sem reduzir sua liberdade.


CCCIII.
Quelle est quelquefois la faiblesse et l'inconséquence des hommes! Nous nous étonnons de la grossiereté de nos pères, qui règne cependant encore dans le peuple, la plus nombreuse partie de la nation; et nous méprisons en même temps les belles lettres et la culture de l'esprit, le seul avantage qui nous distingue du peuple et de nos ancêtres.

A que ponto chega, às vezes, a fraqueza e a inconseqüência dos homens! Nos surpreendemos com a grosseria de nossos antepassados, que no entanto ainda impera entre o povo, a maior parcela da nação; e, ao mesmo tempo, desprezamos as belas-letras e a cultura do espírito, o único trunfo que nos distingue do povo e dos nossos ancestrais.


CCCIV.
Le plaisir et l'ostentation l'emportent dans le coeur des grands sur l'intérêt. Nos passions se règlent ordinairement sur nos besoins.

O prazer e a ostentação prevalecem, no coração dos poderosos, sobre o interesse. Nossas paixões, em geral, se ajustam às nossas necessidades.


CCCV.
Le peuple et les grands n'ont ni les mêmes vertu ni les mêmes vices.

O povo e os poderosos não possuem as mesmas virtudes, nem os mesmos vícios.


CCCVI.
C'est à notre coeur à régler le rang de nos intérêts, et à notre raison de les conduire.

Cabe ao coração estabelecer a ordem dos nossos interesses, e à razão conduzi-los.


CCCVII.
La médiocrité d'esprit et la paresse font plus de philosophes que la réflexion.

A mediocridade de espírito e a preguiça produzem mais filósofos que a reflexão.


CCCVIII.
Nul n'est ambitieux par raison, ni vicieux par défaut d'esprit.

Ninguém é ambicioso pela razão, nem vicioso por defeito do espírito.


CCCIX.
Tous les hommes sont clairvoyants sur leurs intérêts; et il n'arrive guère qu'on les en détache par la ruse. On a admiré dans les négociations la supériorité de la maison d'Autriche, mais pendant l'énorme puissance de cette famille, non après. Les traités les mieux ménagés ne sont que la loi du plus fort.

Todos os homens são clarividentes em se tratando dos seus interesses; e dificilmente a astúcia consegue desviá-los. Foi admirada, nas negociações, a superioridade da casa real austríaca, mas durante a vigência do imenso poder daquela família, não depois. Os tratados mais elaborados não passam da lei do mais forte.


CCCX.
Le commerce est l'école de la tromperie.

O comércio é a escola da trapaça.


CCCXI.
A voir comme en usent les hommes, on serait porté quelquefois à penser que la vie humaine et les affaires du monde sont un jeu sérieux, où toutes les finesses sont permises pour usurper le bien d'autrui à nos périls et fortunes, et où l'heureux dépouille en tout honneur le plus malheureux ou le moins habile.

Vendo como se comportam os homens, às vezes poderíamos pensar que a vida humana e as coisas do mundo são um jogo sério, no qual é permitido qualquer artifício para usurpar o bem alheio por nossa conta e risco e no qual o felizardo despoja, com toda a legitimidade, o mais azarado ou o menos hábil.


CCCXII.
C'est un grand spectacle de considérer les hommes méditant en secret de s'entre nuire et forcés néanmoins de s'entr'aider contre leur inclination ou leur dessein.

É um belo espetáculo observar os homens pensando intimamente em se prejudicarem uns aos outros e, no entanto, sendo forçados a se ajudarem, contra suas inclinações ou intenções.


CCCXIII.
Nous n'avons ni la force ni les occasions d'exécuter tout le bien et tout le mal que nous projetons.

Não temos nem força nem oportunidade para executar todo o bem e todo o mal que planejamos.


CCCXIV.
Nos actions ne sont ni si bonnes ni si vicieuses que nos volontés.

Nossas ações não são nem tão boas, nem tão viciosas quanto a nossa vontade.


CCCXV.
Dès que l'on peut faire du bien, on est à même de faire des dupes. Un seul homme en amuse alors une infinité d'autres, tous uniquement occupés de le tromper. Ainsi il en coûte peu aux gens en place pour surprendre leurs inférieurs; mais il est malaisé à des misérables d'imposer à qui que ce soit. Celui qui a besoin des autres les avertit de se défier de lui; un homme inutile a bien de la peine à leurrer personne.

Assim que podemos fazer o bem, temos condições de ludibriar os outros. Um só homem diverte, então, vários outros, todos ocupados apenas em enganá-lo. Deste modo, custa pouco às pessoas de posição surpreender seus inferiores; mas não é fácil para os miseráveis impressionar quem quer que seja. Aquele que precisa dos outros desperta sua desconfiança; um inútil dificilmente engana alguém.


CCCXVI.
L'indifférence où nous sommes pour la vérité dans la morale vient de ce que nous sommes décidés à suivre nos passions, quoi qu'il en puisse être: et c'est ce qui fait que nous n'hésitons pas lorsqu'il faut agir, malgré l'incertitude de nos opinions. Peu m'importe, disent les hommes, de savoir où est la vérité, sachant où est le plaisir.

Nossa indiferença pela verdade na moral vem do fato de estarmos determinados a seguir nossas paixões a qualquer preço: e é isto que faz com que não hesitemos quando é preciso agir, apesar da incerteza de nossas opiniões. Pouco me importa, dizem os homens, saber onde está a verdade, sabendo onde está o prazer.


CCCXVII.
Les hommes se défient moins de la coutume et de la tradition de leurs ancêtres que de leur raison.

Os homens desconfiam menos dos costumes e tradições de seus antepassados do que de sua própria razão.


CCCXVIII.
La force ou la faiblesse de notre créance dépend plus de notre courage que de nos lumières. Tous ceux qui se moquent des augures n'ont pas toujours plus d'esprit que ceux qui y croient.

A força ou a fraqueza de nossa crença depende mais de nossa coragem do que de nossas luzes. Aqueles que zombam dos presságios nem sempre possuem mais espírito do que os que acreditam neles.


CCCXIX.
Il est aisé de tromper les plus habiles, en leur proposant des choses qui passent leur esprit et qui intéressent leur coeur.

É fácil enganar os mais espertos sugerindo coisas que ultrapassem seu entendimento e interessem seu coração.


CCCXX.
Il n'y a rien que la crainte et l'espérance ne persuadent aux hommes.

Não há nada de que o medo ou a esperança não convençam os homens.


CCCXXI.
Qui s'étonnera des erreurs de l'antiquité s'il considère qu'encore aujourd'hui, dans le plus philosophe de tous les siècles, bien des gens de beaucoup d'esprit n'oseraient se trouver à une table de treize couverts.

Quem irá surpreender-se com os erros da antigüidade ao considerar que ainda hoje, no mais filosófico dos séculos, muitas pessoas de muito espírito não teriam coragem de sentar-se a uma mesa com treze talheres.


CCCXXII.
L'intrépidité d'un homme incrédule, mais mourant, ne peut le garantir de quelque trouble s'il raisonne ainsi: Je me suis trompé mille fois sur mes plus palpables intérêts et j'ai pu me tromper encore sur la religion. Or je n'ai plus le temps ni la force de l'approfondir et je meurs...

A audácia de um homem ateu, mas moribundo, não consegue livrá-lo de certa perturbação, se raciocinar assim: me enganei mil vezes em meus interesses mais palpáveis, e posso ter me enganado também sobre a religião. Ora, não tenho mais tempo nem força para aprofundá-la, e estou morrendo...


CCCXXIII.
La foi est la consolation des misérables et la terreur des heureux.

A fé é o consolo dos aflitos e o terror dos afortunados.


CCCXXIV.
La courte durée de la vie ne peut nous dissuader de ses plaisirs ni nous consoler de ses peines.

A curta duração da vida não consegue nos afastar dos seus prazeres nem nos consolar pelos seus sofrimentos.


CCCXXV.
Ceux qui combattent les préjugés du peuple croient n'être pas peuple. Un homme qui avait fait à Rome un argument contre les poulets sacrés se regardait peut être comme un philosophe.

Os que combatem os preconceitos do povo pensam que não são povo. Em Roma, um homem que fizesse um discurso contra os frangos sagrados talvez se considerasse um filósofo.


CCCXXVI.
Lorsqu'on rapporte sans partialité les raisons des sectes opposées et qu'on ne s'attache à aucune, il semble qu'on s'élève en quelque sorte au dessus de tous les partis. Demandez cependant à ces philosophes neutres qu'ils choisissent une opinion, ou qu'ils établissent d'eux mêmes quelque chose; vous verrez qu'ils n'y sont pas moins embarrassés que tous les autres. Le monde est peuplé d'esprits froids qui, n'étant pas capables par eux mêmes d'inventer, s'en consolent en rejetant toutes les inventions d'autrui et qui, méprisant au dehors beaucoup de choses, croient se faire estimer.

Quando expomos imparcialmente as razões de facções opostas, e não nos ligamos a nenhuma delas, parece que, de certa forma, nos elevamos acima das diversas tendências. Peçam, contudo, a esses filósofos neutros que escolham uma opinião, ou que definam alguma coisa por si próprios; verão que não ficam menos embaraçados que o resto. O mundo está repleto de mentes frias que, não tendo capacidade própria para criar, consolam-se rejeitando todas as criações dos outros e, desprezando muitas coisas superficialmente pensam que se fazem estimar.


CCCXXVII.
Qui sont ceux qui prétendent que le monde est devenu vicieux? je les crois sans peine. L'ambition, la gloire, l'amour, en un mot toutes les passions des premiers âges ne font plus les mêmes désordres et le même bruit. Ce n'est pas peut être que ces passions soient aujourd'hui moins vives qu'autrefois; c'est parce qu'on les désavoue et qu'on les combat. Je dis donc que le monde est comme un vieillard qui conserve tous les désirs de la jeunesse, mais qui en est honteux et s'en cache, soit parce qu'il est détrompé du mérite de beaucoup de choses, soit parce qu'il veut le paraître.

Quem são os que afirmam que o mundo se tornou vicioso? Acredito neles sem problema. A ambição, a glória, o amor, numa palavra todas as paixões dos primórdios já não causam as mesmas confusões ou o mesmo barulho. Talvez não seja por estas paixões estarem hoje menos vivas que antigamente; é que são renegadas e combatidas. Digo, então, que o mundo é como um ancião que conserva os mesmos desejos da juventude, mas que se envergonha e se esconde deles, seja porque se desiludiu com o mérito de muitas coisas, seja porque quer dar esta impressão.


CCCXXVIII.
Les hommes dissimulent par faiblesse, et par la crainte d'être méprisés, leurs plus chères, leurs plus constantes et quelquefois leurs plus vertueuses inclinations.

Os homens dissimulam, por fraqueza e por medo de serem desprezados, suas mais caras, mais constantes e, às vezes, mais virtuosas inclinações.


CCCXXIX.
L'art de plaire est l'art de tromper.

A arte de agradar é a arte de enganar.


CCCXXX.
Nous sommes trop inattentifs ou trop occupés de nous mêmes pour nous approfondir les uns les autres. Quiconque a vu des masques dans un bal danser amicalement ensemble et se tenir par la main sans se connaître, pour se quitter le moment d'après et ne plus se voir ni se regretter, peut se faire une idée du monde.

Somos demasiado desatentos, ou ocupados demais com nós-mesmos para nos determos nos outros. Quem já viu mascarados dançando amigavelmente num baile, dando-se as mãos sem se conhecerem, se separarem no instante seguinte e não mais se verem ou sentirem falta do outro, pode ter uma idéia do mundo.






© da tradução: Hély de Bruchard, 1995.
Direitos reservados: Dorothée de Bruchard
Reprodução proibida
Imagens:
Encyclopédie de Diderot et d'Alembert, 1765.



| VOLTA PARA ACERVO PARAULA |