Histórias que os livros contam


Dorothée de Bruchard



RESENHA de Ex-Libris - Coleção Biblioteca Pública do Paraná.
(Curitiba: Biblioteca Pública do Paraná / Imprensa Oficial, 2002.)





Desenho de Denise Roman, 2001.

Nem só as histórias narradas são aquelas que um livro conta — o objeto livro conta outras, inumeráveis, sobre a arte, a técnica e cultura de sua época, por exemplo, ou sobre quem o escreveu, editou, sobre seus leitores.

Ex-Libris é, nesse sentido, um volume privilegiado. Sua história começa no sensato propósito dos funcionários da Biblioteca Pública do Paraná, expresso por sua diretora, Marilene Zicarelli Milarch: "uma biblioteca é sempre uma fonte inesgotável de descobertas, de surpresas — muitos são os tesouros escondidos entre as páginas de livros, de documentos, nas estantes", diz ela na apresentação, contando repartir alguns desses tesouros com o leitor e amante de belos livros.

Trata-se, neste caso, de uma coleção de ex-libris — aquela marca, geralmente em forma de etiqueta colada no volume, escolhida pelo dono de um livro para assinalar sua propriedade. A coleção, reunida pelo gaúcho radicado no Paraná Ely de Azambuja Germano, e adquirida pela Biblioteca Pública em 1981, conta com cerca de 2.500 ex-libris de diversa natureza e procedência — estrangeiros, luso-brasileiros; institucionais, particulares — datados de 1730 até meados do século XX. Desses, cerca de 200 estão reproduzidos no livro, a cores ou em p & b, conforme o original.

Para além do evidente valor artístico — há os ex-libris tipográficos, os gravados em madeira, metal, pedra...; há os encomendados a artistas, os concebidos pelo próprio dono; há os muito simples, sóbrios, os elaboradíssimos — cada ex-libris representa quase que uma história de vida. Traz, com o nome do dono, sua divisa, ou uma imagem que ele escolheu por achar que resumia, condensava, suas crenças, preferências, idéias, fixações até. O que temos então diante dos olhos são os sabores e dissabores de leitores reunidos ao acaso de uma coleção, revelando a si mesmos, sua época e cultura. São palavras, em línguas diversas e distintas grafias, são imagens heráldicas. São personagens, literárias, mitológicas, fantásticas — dom Quixote, várias vezes presente é das mais populares. São representações da vida, muitas e muitas árvores. Também se repete a morte, com sua foice, ou até um cemitério inteiro. E casas. E paisagens. E navios. Animais. Figuras amargas, piegas. Imagens eróticas, cenas heróicas, cômicas, singelas. O próprio livro, a biblioteca.

O volume, num elegante e sóbrio projeto gráfico de Adriana Salmazo Zavadniak, tem o formato 22 x 28 cm, capa dura, 230 páginas de papel couchê fosco (120 g), cada uma contendo um ex-libris, colorido ou p & b, conforme o original, e as referências conhecidas (do dono, do artista, país, ano, etc). Foi impresso, com qualidade, pela Imprensa Oficial do Estado do Paraná — que, diga-se apenas de passagem, tem realizado sob a direção de Miguel Sanches Neto um lindíssimo trabalho em prol da cultura estadual e nacional.

Ex-libris é um livro bom e bonito — e além de tantas histórias, ainda nos conta a de uma edição feita de paciência, cuidado, generosidade e eficiente ação conjunta.


Resenha publicada no Leitores & Livros, n. 37,
Rio de Janeiro, setembro de 2002.



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