Responder à pergunta de Caetano Veloso — "Quem lê tanta notícia?" — em Alegria, Alegria foi um dos principais objetivos da tese de doutorado em Ciências Sociais na Unicamp da pesquisadora e professora Maria Celeste Mira. A autora abre o amplo leque do mercado de revistas, levantando os temas que a elas se associaram e que ajudam a traçar um painel da sociedade brasileira.
Na primeira parte, Maria Celeste discute o novo lugar da mulher no século 20 em revistas como Cláudia, por exemplo. As questões nacionais e a busca de um jornalismo investigativo em um período ''delicado'' são assuntos debatidos a partir da publicação da revista Realidade. A própria transformação do país em um grande mercado automobilístico, com investimentos de vulto no setor e a expansão do turismo, está estreitamente relacionada com o nascimento e o sucesso da revista Quatro Rodas.
Em um segundo momento, Maria Celeste discute as mudanças de costumes e de mentalidade que vão influenciar profundamente as publicações já existentes e as que serão criadas. As questões de gênero são pontos-chaves para a compreensão da entrada no país de revistas importadas, como Playboy e Cosmopolitan (No Brasil, Nova), publicadas em português a partir da década de 70. As duas obtêm grande sucesso de vendas, apesar dos problemas com a censura, e apontam para as modificações da família brasileira naquele momento. O sexo continua sendo um elemento definidor de preferências, idéias e hábitos dos leitores na sociedade.
A autora não deixa de lado a questão das revistas como um produto da indústria cultural. A seu ver, o consumo pode ser um elemento importante de compreensão da construção da identidade dos diversos segmentos do mercado. O Brasil dos anos 80 e 90 tem diversificados leitores. O público jovem é um dos grandes filões atendido com revistas como Pop e Bizz, que falam de música, comportamento e entretenimento.
Dentro deste segmento, surge outro tema de grande relevância: o corpo, que já aparecia nas revistas femininas e masculinas das décadas anteriores, mas que aparecerá agora como possibilidade de constituição de uma identidade diferenciada e de recuperação da auto-estima. É o caso das publicações Saúde e Boa Forma.
A antropóloga traz para a cena revistas ''de ver'', como Contigo e Caras. O lado voyeur do leitor está presente nestas publicações que transformam a vida de famosos em objeto de consumo e em ficção folhetinesca.
O leitor e a banca de revistas, que chegou sem muito destaque ao mercado editorial, é uma obra fundamental para quem quer entender a cultura de massa no Brasil.
Isabel Travancas
é jornalista, professora na Escola de Comunicação da UFRJ,
e autora de O Livro no jornal.
Resenha publicada
no "Caderno Idéias" do Jornal do Brasil em 06/07/2002.
Reproduzida com autorização da autora.