As tradutoras

na Inglaterra, Europa Continental e América do Norte

André Lefevere e outros

Tradução de Sérgio Bath


Excerto do 5º capítulo de Os Tradutores na História
(Organizado por Jean Delisle e Judith Wooksworth. SP: Ática, 1998)

Na tradução, como em muitas outras atividades sociais e intelectuais, na história do Ocidente as mulheres foram tratadas de forma diferente. Durante a Idade Média e a Renascença, a tradução era vista como um dos poucos campos da produção literária abertos ao sexo feminino. Na Inglaterra, as mulheres estavam limitadas à tradução de textos religiosos. Em 1603, John Florio (c. 1553-1625), tradutor de Montaigne para o inglês, tornou explícito o vínculo entre a tradução e o status feminino: como as traduções são sempre imperfeitas, argumentava, devem ser femininas.

Mary Herbert, em gravura de Jean de Courbes.

Quando o trabalho de uma tradutora era publicado, muitas vezes se mantinha o anonimato. Se se sabia que era obra feminina, normalmente era mantida em manuscrito, dentro do círculo familiar. Mesmo as mulheres poderosas, como Mary Herbert, irmã de Philip Sidney e condessa de Pembroke (1561-1621), não escreviam obras originais. Ela traduziu Triunfo da Morte, de Petrarca, entre outras obras poéticas, mas é talvez mais justamente lembrada pela sua tradução da primeira peça de caráter secular a ser vertida para o inglês: Marc-Antoine (Antonie), de Robert Garnier, que apresenta uma avaliação positiva de Cleópatra. Na mesma época, Jane Lumley (1537-76) preparou a primeira versão inglesa conhecida de Ifigênia, de Eurípedes.

As traduções de Mary Herbert se atribui grande mérito estilístico, como às de Margaret More Roper (1505-44), filha de Sir Tomas More, que em 1524 traduziu Precation Dominica, de Erasmo. No entanto, a maioria das traduções femininas da Renascença são mais literais, entre outras razões porque a reprodução literal dava a quem traduzia um certo tipo de proteção, permitindo ao tradutor evadir-se de qualquer responsabilidade pessoal.

Margaret Tyler, que viveu na segunda metade do século XVI, foi uma exceção a essas duas regras: não só traduziu um romance espanhol, intitulando-o A Mirrour of princely deedes and knighthood (1578), como o fez de modo não literal, prefaciando-o com um texto vigoroso, em que defendia seu trabalho e introduzia imagens positivas de mulheres em ação, numa época em que na Inglaterra não se considerava próprio que as mulheres tivessem uma conduta ativa. Os romances de cavalaria entraram na moda como resultado do seu trabalho, e nos séculos seguintes continuaram a ser traduzidos do espanhol para o inglês.

No continente europeu, as mulheres tinham mais liberdade, e por volta do ano 1500 as mulheres da Europa já tinham criado uma tradição de literatura secular. Dentre as mais notáveis dessas intelectuais estava Anne Dacier (1654-1720), cuja tradução erudita da Ilíada, de Homero, que contrastava com a recriação poética do seu contemporâneo Houdar de la Motte (1672-1731), marcou o começo do fim das belles infidèles na França.

Sara Austin (1793-1867) foi a primeira tradutora profissional de importância. Traduziu várias narrativas de viagem, poesia medieval francesa, alemã e provençal e algumas obras do historiador alemão Leopold von Ranke.

George Eliot em desenho de
Frederic William Burton (1865).

Entre as tradutoras mais importantes do século XIX que trabalharam em inglês figuravam Harriet Waters Preston (1836-1911) e George Eliot (Mary Ann Evans, 1819-80). Ambas eram também escritoras. George Eliot traduziu a Ética, de Spinoza, e outras obras de pensadores alemães: do teólogo e escritor David Friedrich Strauss, do filósofo Ludwig Feuerbach e do teólogo Friedrich Schleiermacher, este último também estudioso da teoria da tradução. Uma figura igualmente notável foi Constance Garnett (1862-1946), que sozinha introduziu ao público leitor inglês os autores russos contemporâneos — Tchekhov, Dostoievski, Gogol, Tolstoi, Gorki e Turgueniev. No fim do século XIX, Lady Gergory (1852-1932) traduziu do irlandês antigo, traduções que exerceram influência nos meios literários e políticos. A despeito desses exemplos de tradutoras de valor reconhecido, no passado a maioria delas eram afastadas ou, de outras formas, limitadas pela sociedade em que viviam.

No século XX, intelectuais feministas tais como Susanne de Lotbinière-Harwook, Barbara Godard e Suzanne Jill Levine penetraram na esfera política com base na nova consciência da mulher refletida na linguagem. As três apresentaram seu trabalho como tradutoras procurando "recolocar o papel da mulher na linguagem". Trabalhando sobre textos latino-americanos (Levine) ou canadenses (Lotbinière-Harwook, Godard), levaram ao primeiro plano o papel do tradutor, desafiando as hierarquias tradicionais de autoridade e procurando dar nova preeminência à voz feminina na tradução.

André Lefevere (EUA) escreveu este capítulo em colaboração com
Lourdes Arencibia Rodriguez (Cuba), Michel Ballard (França),
Anthony Pym (Espanha), Clara Foz (Canadá), Sherry Simon (Canadá),
D.J.M. Soulas de Russel (Alemanha), George Talbot (Ingl.)
e Colette Touitou-Benitah (Israel).

Texto reproduzido com a autorização da editora
Imagens: Escritório do Livro


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