O livro ilustrado
Walter Crane
(1845-1915)
Tradução de Dorothée de Bruchard
in The Decorative illustration of books (1896)
A história humana está registrada, ou melhor, preservada, com toda a sua aparência de vida e cor, na arte e nos livros. O cortejo da história se reflete, em todo o seu movimento, dourado e colorido, na límpida corrente do desenho que, qual espelho, retrata para nós cada fase e ilustra cada ato do drama. Na linguagem de linhas e letras, de símbolo e imagem, cada idade escreve sua própria história e estilo, à medida que viramos, uma a uma, as páginas do livro do tempo. (...)
Se a pintura é o espelho das nações e épocas, livros ilustrados podem ser considerados o espelho de mão que mais intimamente reflete a vida de diferentes séculos e povos, em todos os seus simples e mínimos detalhes, o pitoresco de seu cotidiano, seu imaginário, seus sonhos e aspirações. Enquanto templos e túmulos de outrora nos falam da pompa e esplendor e ambição dos reis, das histórias de suas conquistas e tiranias, os manuscritos iluminados medievais nos revelam mais intimamente a vida do povo, seus jogos e brincadeiras, seus caprichos e fantasias, seu trabalho e diversão, além do o aspecto místico, religioso e ritual realmente inseparável daquela vida. O conjunto é elaborado como uma espécie de bordado a pena e pincel, com o mais delicioso senso de beleza decorativa. [À esquerda: A Colheita (detalhe). Livro de Horas de Marguerite d'Orléans, séc. XV. Paris, BnF]
Herbert Spencer, em sua comunicação sobre filosofia da evolução, diz que o jornal e o livro que jazem na mesa do cidadão moderno estão ligados por longa descendência às inscrições hieroglíficas dos antigos egípcios e à escrita pictórica de tempos ainda mais remotos. Poderíamos remontar (quem sabe o quanto?) à obscura pré-história para encontrar o primeiro ilustrador, pura e simplesmente, no caçador da caverna que registrava os incidentes de sua vida aventurosa nos ossos de suas vítimas.
Sabemos que as letras de nosso alfabeto já foram desenhos, símbolos ou sinais abstratos de entidades e ações, que foram ficando cada vez mais abstratos até se tornarem marcas arbitrárias — os caracteres que conhecemos. Letras formaram palavras; palavras cresceram e se multiplicaram em idéias e no seu intercâmbio; idéias e palavras, tornando-se cada vez mais abstratas até alcançarem o ponto em que o intelecto, cansado, retorna de bom grado à escrita pictórica, e saúda a presença do decorador e ilustrador que suavizam os desertos desolados de palavras enfileiradas em intermináveis colunas na página impressa.
Ao longo da jornada através de um livro, é agradável chegar ao oásis de uma ilustração ou ornamento, sentar-se por um tempo sob as palmeiras, deixar os pensamentos vagarem livremente, beber em outras águas intelectuais e, quem sabe, nelas ver refletidas as idéias que vínhamos perseguindo. Terminamos assim onde começamos, com imagens.
Templos e túmulos têm sido os maiores livros do homem, mas com o desenvolvimento da vida individual (assim como do ritual religioso e da necessidade de registros), ele sentiu necessidade de algo mais familiar, simpático, portátil, e tendo, com o passar do tempo, inventado o estilete, a pena, e experimentado o papiro, a folha de palmeira, o pergaminho, passou a escrever seus registros ou pensamentos, a pintá-los ou simbolizá-los. Primeiro, em rolos e tabuletas; mais tarde encerrou-os em livros encadernados, com toda a beleza permitida pela arte caligráfica, enriquecidos e valorizados por comentários pictóricos e ornamentais, coloridos e dourados.
© tradução | Dorothée de Bruchard | 2001
Reprodução proibida
Imagens: Escritório do Livro