Nossa função não é dissimular o livro

Cristina Antunes

conservadora da Biblioteca José & Guita Mindlin


Excerto de Memórias de uma guardadora de livros.
(Florianópolis: Escritório do Livro / São Paulo: Imprensa Oficial, 2004).

Cristina Antunes autografando seu
livro em São Paulo, 20/09/2004.

Existem, então, dois momentos distintos no meu trabalho. Num primeiro momento, há todos os anos em que trabalhei sozinha e a Biblioteca era pouquíssimo visitada. Diria que foi o momento de maior aprendizagem, porque no contato que tinha com os livros, pelo tempo que tinha para leitura, com as passagens rápidas do Dr. José na Biblioteca e tudo o que ele explicava, os livros que ele sugeria, eu, ainda muito jovem, fui expandindo horizontes. O trabalho se resumia mais a umas catalogações e à operacionalização da Biblioteca para o uso dele, e foi um momento, digamos assim, de ir acumulando conhecimento — ele dizia que eu era uma esponja.

Num segundo momento, a Biblioteca foi ficando conhecida e cada vez mais procurada por pesquisadores e especialistas. Isso me trouxe outras coisas: me deu a forte consciência profissional de que tudo o que eu tinha aprendido era para ser partilhado, com os pesquisadores, com as pessoas que procuravam um livro ou um documento; me deu amigos, e uma enorme possibilidade de troca.

A Biblioteca tem hoje um caráter bem diferente, um caráter público, de centro provedor de informação. Talvez este seja o seu grande diferencial. Conhecemos muitos colecionadores que formaram bibliotecas particulares fantásticas, mas liberar o seu acervo para ser consultado, querer que o livro seja lido, estudado, conhecido — acho que este é o ponto que distingue a biblioteca onde eu trabalho. [...] Não foi uma coisa planejada. Na verdade, ele [José Mindlin] sempre teve consciência — e isto é uma postura de vida — de que conhecimento é para ser partilhado. Aplicava esta filosofia na Metal Leve, em questões de tecnologia, aplica também no seu dia-a-dia. [...] Isso significou mais esforço, exigiu medidas de segurança, exigiu um processo de informatização rápido, exigiu a elaboração de um vocabulário controlado. [...]

Não sei como um bibliotecário se define. Pensando no meu trabalho, eu me defino como uma pessoa que busca constantemente conhecer e aprender, e ter uma consciência profissional que me leva a partilhar com o pesquisador o que existe de disponível e de que eu tenha conhecimento. Acho que nossa função não é dissimular o livro, não é sonegar a informação, é mostrar o que existe e promover o intercâmbio entre os pesquisadores. Isso proporciona um enriquecimento enorme, porque você também recebe de volta. É uma troca. Gosto de conhecer o trabalho do pesquisador — ele não está só buscando, também está trazendo algo. Às vezes sei de outro pesquisador que está estudando, ou estudou, o mesmo assunto, então pergunto se ele conhece o trabalho de Fulano, coloco os dois em contato. Gosto de conversar com os visitantes, escritores, pesquisadores de outras cidades, de outros lugares do mundo, colecionadores, professores. É muito bom conhecer e participar dos projetos e encontros que a Biblioteca propicia.


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