O tradutor é um otimista
Rosa Freire d'Aguiar
Excerto de Memória de tradutora
(Florianópolis: Escritório do Livro / NUT/UFSC, 2004).
Em 2002, uma pesquisa feita na Espanha sobre os tradutores mostrou que essa é a profissão mais mal paga do mundo, levando-se em conta o esforço exigido deles. O tradutor é um profissional altamente qualificado, tem de manejar à perfeição, no mínimo, dois idiomas, acumular os mais diversos conhecimentos. Ao comentar o resultado da pesquisa, um jornal lembrou que “são os tradutores que permitem que possamos ler Faulkner sem saber inglês, Kafka sem saber uma palavra de alemão, Pavese sem dominar o italiano e Mishima sendo completamente ignorantes em japonês”.
Tanto trabalho, em troca de quê? Às vezes tenho a impressão de praticar uma atividade clandestina: o reconhecimento intelectual e social do tradutor, embora crescente, ainda é modesto; é raríssimo que alguém, já não digo elogie, mas comente o seu trabalho. Certos críticos e mesmo certos editores têm um desprezo olímpico pelos tradutores. A grande incógnita é por que gente tão preparada escolhe se dedicar à tradução literária, e não a atividades mais bem remuneradas. Não tenho resposta. No máximo uma pista.
Na Feira Literária de Paraty, a Flip, realizada em julho último, a escritora canadense Margaret Atwood disse que todo escritor é um otimista. Em primeiro lugar, ele acha que vai terminar o livro. Isso é ser otimista. Depois, pensa que alguém vai publicá-lo. Isso também é ser otimista. Em seguida, acredita que alguém vai comprá-lo. Inequívoco otimismo. Por último, tem esperança de que alguém goste do que ele escreveu. Esse é o grau máximo do otimismo. Mas ela se equivocou. O recorde do otimismo pertence ao tradutor. Pois, além de todas as etapas em comum com o autor — terminar a tradução, passar sem desfiguração pelas garras afiadas, embora utilíssimas, de preparadores e revisores, torcer para o livro ser bem editado, divulgado, e lido —, ele ainda tem a esperança de que os leitores, aqui incluídos os resenhistas, se dêem conta do óbvio: o livro de autor estrangeiro que têm nas mãos não nasceu em português; alguém suou muito para dar aos monoglotas a chance de conhecer o admirável mundo da literatura. O tradutor.
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