Sobre as artes do livro
O que pintam e dizem...
Eric Gill
Um livro é coisa para se ler. [...] Assim, a primeira coisa a notar é que é o acto da leitura & as circunstâncias desse acto que determinam o tamanho do livro e o tipo de letra a usar; a leitura, e não o que se lê. Um bom tipo de letra serve para todo e qualquer livro, e o tamanho de um livro é regulado, não pelo que contém, mas pelo facto de ser lido seguro na mão (e.g., um romance), ou à mesa (e.g., livros de história ou de referência, com mapas ou outras ilustrações necessariamente grandes), numa carteira ou numa estante (e.g., um missal ou livro de coro), ou guardado no bolso (e.g., um livro de orações ou um dicionário de viajante). ¶ Pelo contrário, outros defendem que o tamanho do livro e o estilo de letra deveriam ser escolhidos especificamente para cada livro; que um certo tamanho se adequa a Shakespeare, e outro, aos poemas de Eliot; [...] que as reimpressões de Malory devem ser impressas em ‘Gótico’ e os livros de tecnologia, em ‘não-serifado’. Há, em tudo isso, uma certa plausibilidade, & mesmo uma certa racionalidade. [...] Não obstante, o produtor razoável de livros parte do princípio de que é a leitura e não o conteúdo que determina o tamanho do livro e o estilo de tipo; as outras considerações entram apenas como influências modificadoras. Ao planear um livro, as primeiras perguntas são: quem vai ler isto, e em que circunstâncias? (Ensaio sobre a tipografia. Coimbra: Almedina, 2003, p. 134-5. Trad. de Luís Varela.)
| BRIAN KERSHISNIK | She reads, 2006.
Robert Massin
Movimento é vida. Ocorre que o livro é um objeto estático. Ao abri-lo, penetramos na sua intimidade; folheamos as páginas, e o movimento nasce dessa rápida sucessão; paramos numa página dupla e a vida se vai, caso nada do que se nos oferece ao olhar retenha a nossa atenção. O artesão, o mestre de obras, o diagramador, ou como queira chamá-lo, tem justamente por missão insuflar vida a essa coisa morta, a esse cemitério de palavras que é o livro. (La mise en pages, 1991. Trad. Dorothée de Bruchard).
Robert Massin. Páginas de La Cantatrice chauve, de Ionesco,
em edição projetada por ele. (Paris: Gallimard, 1964)
Robert Bringhurst
A tipografia é um ofício antigo e uma velha profissão [...] É também uma espécie de custódia. O léxico e as letras do alfabeto de um povo — cromossomos e genes da cultura letrada — ficam sob os cuidados do tipógrafo. Preservar o sistema significa estar aberto às surpresas e às dádivas do futuro, mas também significa manter o futuro em contato com o passado. (O estilo no uso do tipo, Cosac Naify, 2005, p. 213-14. Trad. André Stolarski)
| Philippe Landry | La lettre dans tous ses états, (detalhe) s/d.
André Belo
Os sucessivos formatos do livro ao longo da história não são neutrais: implicam uma certa postura física de leitura e têm uma certa materialidade que afeta todas as componentes do livro, transmitindo significados não-verbais ao lado dos verbais. No livro não é só o texto que “fala”; é todo o conjunto, incluindo o suporte físico e a aparência gráfica, que é interpretado pelo leitor. (História & Livro e leitura. Autêntica, 2002, p. 101.)
| EMMA ERSEK | (Romênia). Reader, 2011.
Paris: C. Barbin, 1668, p. 3.
Ilustrações de François Chauveau.
Richard Hendel
Os livros duram. Guardamo-los em bibliotecas para podermos lê-los anos depois de terem sido impressos. Aqueles designers que tentam fazer livros neutros, atemporais, acham que um design que segue abertamente a moda coloca-se entre o autor e o leitor. No entanto, será possível fazer o design de um livro que não reflita de alguma forma a época em que ele é feito? A atemporalidade pode ser inatingível. É fácil examinar vários livros e saber imediatamente quando e onde foram feitos seus projetos gráficos. (O design do livro. Trad. Geraldo G. de Souza e Lúcio Manfredi. Ateliê Editorial, 2003, p. 12.)
Página das Fables de La Fontaine em edição de |1668| e |1938|.
Paris: Ed. des Enfants de France, 1938, p. 14
Ilustrador não identificado.
Alphonse de Lamartine
A imprensa é o telescópio da alma. Assim como este instrumento de óptica, chamado telescópio, aproxima do olho, ao aumentá-los, todos os objetos da criação, os átomos e até os astros do universo visível, assim a imprensa aproxima e põe em comunicação imediata, contínua, perpétua, o pensamento do homem isolado com todos os pensamentos do mundo invisível, no passado, no presente e no futuro. Disseram que as ferrovias suprimiriam as distâncias; podemos dizer que a imprensa suprimiu o tempo [...]
Daqui a alguns anos, uma palavra pronunciada e reproduzida num ponto qualquer do globo poderá iluminar ou fulminar o universo. A palavra, através do procedimento aperfeiçoado por Gutenberg, voltará a ser, pela matéria, tão imaterial como quando era apenas pensamento. (Gutenberg, 1858. Trad. Dorothée de Bruchard)
| CHICOLET | American french tool press, s/d.
Jan Tschichold
Um designer de livro deve ser um servidor leal e fiel da palavra impressa. [...] O design de livro não é campo para aqueles que desejam “inventar o estilo de hoje” ou criar algo “novo”. No sentido estrito do vocábulo, não pode haver algo “novo” na tipografia de livros. Embora em grande parte esquecidos hoje em dia, métodos e regras que são impossíveis de superar foram desenvolvidos ao longo de séculos. Para produzir livros perfeitos, essas regras precisam ser reavivadas e aplicadas. O objetivo de todo design de livro deve ser a perfeição: encontrar a representação tipográfica pefeita para o conteúdo do livro em elaboração. Ser “novo” e surpreendente é a meta dos publicitários. [...]
Escolher uma fonte bem ajustada ao texto; projetar uma página primorosa, idealmente legível, com margens harmonicamente perfeitas, impecável espacejamento de palavras e letras; escolher corpos de tipo ritmicamente corretos para folhas de rosto e títulos, e compor as páginas em que há títulos de seção e de capítulos genuinamente belas e graciosas, no mesmo tom da página de texto — por esses meios um designer de livro pode contribuir muito para a fruição de uma valiosa obra de literatura. Se, em vez disso, escolhe um tipo modernoso, talvez um sem-serifa ou um daqueles tipos criados por algum “designer” alemão, nem sempre horrendos mas em geral indiscretos demais para um livro, transforma então o livro num item de moda. Isso só é adequado quado se trata de um produto de vida curta. É inadequado quando o livro tem importância intrínseca. Quanto mais significativo é o livro, menor é o espaço para o artista gráfico se posicionar e documentar, por meio de seu “estilo”, que ele, e ninguém mais, projetou o livro. (A Forma do livro, trad. José Laurenio de Melo. Atelier, 2007, p. 31-2.)
Egon Schiele. Still life with book, 1914. Viena: Leopold Museum.
Imagens: Escritório do Livro