Excertos de

Walter Benjamin

sobre colecionismo e bibliofilia

| PRÓLOGO | · | O COLECIONADOR | · | DESEMPACOTANDO A MINHA BIBLIOTECA | · | EDUARD FUCHS, COLECIONADOR E HISTORIADOR |

Livros infantis antigos e esquecidos

Resenha (1924) de Alte vergessene Kinderbücher (Antigos e esquecidos livros infantis), de Karl Hobrecker. | TEXTO ORIGINAL |


Capa de Alte vergessene Kinderbücher, de Karl Hobrecker.
Berlim: Mauritius Verlag, 1924. 160 p.

Por que você coleciona livros? — Alguém já fez essa pergunta a um bibliófilo, para induzi-lo à auto-reflexão? Como seriam interessantes as respostas, pelo menos as sinceras! Pois apenas os não-iniciados poderiam crer que não existe aqui o que esconder ou racionalizar. Arrogância, solidão, amargura — muitas vezes esse é o lado noturno de muitos colecionadores cultos e bem-sucedidos. Toda paixão revela de vez em quando os seus traços demoníacos, e nada confirma tão cabalmente essa verdade como a história da bibliofilia. Não existe nada disso no credo de colecionador de | KARL HOBRECKER |, cuja grande coleção de livros infantis é agora revelada ao público através de sua obra. Para quem não se deixasse sensibilizar pela personalidade cordial e refinada do autor, nem pelo próprio livro, em cada uma de suas páginas, só poderíamos dizer o seguinte: esse tipo de coleção — o de livros infantis — só pode ser apreciado por quem se manteve fiel à alegria que experimentou quando criança, ao ler esses livros. Essa fidelidade está na origem de sua biblioteca, e toda coleção, para prosperar, precisará de algo semelhante. Um livro, ou mesmo uma página, e até uma simples imagem num exemplar antiquado, talvez herdado da mãe ou da avó, podem ser o solo no qual esse impulso lançará suas primeiras e delicadas raízes. Pouco importa se a página está solta, se faltam páginas ou se aqui e ali mãos inábeis amarrotaram as gravuras. A procura de belos exemplares também é legítima nesse tipo de coleção, mas justamente aqui o pedante ficará perplexo. É uma boa coisa que a pátina depositada nas folhas por mãos infantis pouco asseadas mantenham à distância o bibliófilo esnobe.

Quando Hobrecker iniciou sua coleção, há 25 anos, os velhos livros infantis eram usados como papel de embrulho. Ele foi o primeiro a oferecer-lhes um asilo, por algum tempo, contra as fábricas de papel. Entre as milhares de obras que abarrotam suas estantes, há talvez centenas que têm nesse local seu último exemplar. Não é com pompa e dignidade profissional que esse primeiro arquivista dos livros infantis aparece em público. Ele não visa o reconhecimento pelo seu trabalho, mas a participação do leitor na beleza que ele revelou. [...]

  Uma das lustrações do livro. |Fonte|

Reina na obra do próprio Hobrecker, tanto em sua forma interna como externa, o encanto característico dos livros infantis mais amáveis e mais românticos. Xilogravuras, ilustrações coloridas de página inteira, silhuetas e desenhos policrômicos acompanhando o texto o transformam num livro caseiro extremamente agradável, capaz de alegrar os adultos e de estimular as criangas de hoje, que poderiam muito bem soletrar nas velhas cartilhas ou copiar as ilustrações. A alegria do colecionador é toldada por uma única sombra: o medo de que os preços se elevem demasiadamente. Esse medo é compensado pela esperança de que um ou outro volume destinado à destruição possa ter sido salvo graças a essa obra.

Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.
“Livros infantis antigos e esquecidos”. In: Obras escolhidas, I. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 235-243.
Imagens: Escritório do Livro


NOTA
Dorothée de Bruchard

Karl Hobrecker     (1876 - 1949)

Químico de formação, bibliotecário, escritor, dedicou sua vida a colecionar e estudar livros infantis, num momento em que, como observa Walter Benjamin, começava a surgir a figura do colecionador de livros infantis, na esteira da “ascensão da bibliofilia ocorrida entre 1919 e 1923”. Lançado em 1924, seu Alte Vergessene Kinderbücher, cujo “excelente material visual dá uma amostra do tesouro da coleção Hobrecker”, constitui, ainda segundo Benjamin, “a primeira história do livro infantil”.
Não se sabe o número exato dos volumes que compunham originalmente a biblioteca reunida por Hobecker e sua esposa Margarete. Integrados, em sua grande maioria, à Reichsjugendbücherei (Biblioteca infanto-juvenil do Reich) de Berlim em 1933, encontram-se desde 1946 na Biblioteca Universitária de Braunschweig, para onde foram transferidos após a guerra. Uma mínima parte da coleção (405 títulos), que permanecera de posse da família, foi acolhida em 1979 pela Goethe-Universität Frankfurt, onde hoje se soma ao acervo da biblioteca do | INSTITUT FÜR JUGENDBUCHFORSCHUNG |.
Ver | CATÁLOGO |


· As citações de Benjamin se encontram nos dois primeiros parágrafos do | TEXTO ORIGINAL |, em trecho ausente na tradução brasileira.
· A letra Y, em ilustração de I. G. Flegel para ABC-Buch für große und kleine Kinder, de Robert Reinick. Leipzig: Schlicke, 1847.
  Coleção Karl Hobrecker. |Fonte|

| PRÓLOGO | · | O COLECIONADOR | · | DESEMPACOTANDO A MINHA BIBLIOTECA | · | EDUARD FUCHS, COLECIONADOR E HISTORIADOR |