O livro como objeto

Thaís Cristina Martino Sehn


Capítulo do TCC “O Livro como objeto de desejo”
(Pelotas: UFPel, IAD, 2009). |TEXTO INTEGRAL|

Lemos porque só assim o texto alcança
uma existência comunicante e significativa.

Cândido Oliveira Martins

O porquê da leitura

Depois que se aprende a decodificar aqueles sinais que significam um som e formam palavras, surge logo a vontade de se absorver tudo o que está ao redor. Assim começa a tentativa de leitura do que diz no ônibus, na revista, na placa, até o momento da automação, onde se passa à decodificação de todos os códigos alfabéticos automaticamente; é como se o olho buscasse palavras, numa ânsia de saber cada vez mais.

Leitura, segundo Paul Valéry (1871 - 1945), é

um movimento regular, que se comunica e prossegue de palavra em palavra ao longo de uma linha, renasce na linha seguinte depois de um salto que não conta, e provoca em seu desenrolar uma quantidade de reações mentais sucessivas, cujo efeito comum é destruir a cada instante a percepção visual dos signos, substituindo-a por lembranças e combinações de lembranças.
| Valéry, 1926 |

Manguel (1997, p. 340) sublinha que lemos pelo prazer da leitura, e não apenas por decodificar aqueles sinais, buscamos seus significados e suas essências e a leitura é o meio de consegui-lo. Atualmente há vários tipos de leitores, que leem por diferentes motivos. Por exemplo, alguns leem quando esperam: seja na parada do ônibus, na fila do banco, no serviço quando não há tarefas a realizar; resumindo, para fazer o tempo passar mais depressa; outros leem por obrigação, para passar na prova ou para aprender alguma coisa nova da profissão, e ainda há aqueles que o fazem para viajar sem sair do lugar, para se envolver numa outra história, conhecer novas “pessoas”.

Lucia Santaella identifica três tipos de leitores através dos tipos de “habilidades sensoriais, perceptivas e cognitivas que estão envolvidas nos processos e no ato de ler” (Santaella, 2005, p. 10). Essas maneiras distintas de ler surgem no decorrer da história junto com as tecnologias que influenciam o comportamento do homem. Apesar de cada tipo aparecer em períodos seqüenciais, Santaella adverte que o surgimento de um não implica o desaparecimento do outro. “Ao contrário, não parece haver nada mais cumulativo do que as conquistas da cultura humana” (Santaella, 2004, p. 11). Assim, no mundo contemporâneo podemos encontrar leitores contemplativos, moventes e imersivos. O leitor contemplativo ou mediativo surge no Renascimento e se mantém até o início do século XIX. O que caracteriza essa era é a imagem fixa, o livro impresso. O leitor tem o tempo ao seu lado, podendo usufruir da obra o quanto e quando quiser. Ele a revisita sempre que tiver vontade, seja, buscando-a em sua estante, que está ao alcance de sua mão ou voltando-se à parede cujo quadro que desejava está exposto. Ele sabe que vai estar ali, disponível, para sempre e se deleita o quanto e quando quiser.

O leitor movente ou fragmentado nasce nos centros urbanos, na popularização do jornal e de outros signos da cidade. Este protagonista está sempre apressado, o tempo é curto e para ele as coisas são efêmeras, assim surge a necessidade de possuir uma “memória curta, mas ágil. É um leitor que precisa esquecer o que leu ou viu, pelo excesso de estímulos, e pela falta de tempo para absorver tudo que o rodeia. Um leitor de fragmentos, leitor de tiras de jornal e fatias de realidade” (Santaella, 2004, p. 10). A cidade é tomada por sinais que precisam ser identificados em alta velocidade, “O leitor do livro, leitor sem urgências, é substituído pelo leitor movente. Leitor de formas, (…) direções, traços, cores, leitor de luzes que se acendem e se apagam” (Santaella, 2004, p. 10).

Por fim, o leitor imersivo seria o leitor virtual. Ele não esbarra mais nas informações, ele as busca numa rede com diversas opções, a partir de um toque ou de um clique, não se atendo mais a seguir sequencialmente as páginas, mas criando novas sequências. Está consciente de que em cada nó dessa teia podem surgir diversas informações ou até mesmo podem ser construídas outras. É possível, inclusive, encontrar facilmente pessoas para discutir sobre um determinado assunto, ou até entrar-se em contato prontamente com o autor da história. Este leitor pode até revisitar o lugar onde já esteve, como fazia o leitor contemplativo, entretanto ele deve saber qual o caminho que o levou a esse lugar na primeira vez, para poder reencontrá-lo. Atualmente esses três tipos de leitores convivem até mesmo dentro de uma mesma pessoa, porquanto se sabe que o ser humano tem a capacidade de adaptar-se a situações novas e, para cada ocasião, elege um comportamento. Renato Ortiz, em Cultura e Modernidade, comenta que no século XIX, na França, com a modernização as pessoas já não tinham tanto tempo para apreciar as coisas belas da vida. Nos dias atuais o tempo parece passar ainda mais rápido, entretanto as pessoas estão aprendendo que precisam parar um pouco, descansar dessa dinamicidade que as rodeia e uma boa maneira de fazer isso é escolher um bom livro e se esquecer do mundo real.

O leitor possessivo

Muitas pessoas sentem necessidade de possuir o livro que leem, não se contentando em consegui-lo emprestado, absorver seu conteúdo e devolvê-lo. Alberto Manguel (1997) discorre sobre esse sentimento em alguns capítulos de seu livro Uma História da Leitura, onde diz que parece que o ser humano sente a necessidade de expor os seus livros lidos, para afirmar seu conhecimento e para servir de apoio à sua memória.

Antigamente os livros eram artesanais, ou seja, nenhum livro era igual ao outro. Com a industrialização, Manguel (1997) afirma que existe no homem uma necessidade de diferenciar aquele livro que passou pelas mãos do demais. Por esse motivo, muitas pessoas escrevem nos cantos das páginas, marcando passagens que chamaram sua atenção, imprimindo assim sua presença por onde seus olhos passaram. A relação de cada indivíduo com seu exemplar é diferente. Alguns riscam e rabiscam, conversando com o que o autor está dizendo; outros fazem marcas discretas, em lugares que só eles sabem; têm aqueles que elevam o objeto num pedestal, não ousam interferir naquela página bem concebida, limitando-se, no máximo, a colarem um post-it com algum comentário; outros, com uma postura mais indefinida, sublinham com lápis, na esperança de que (caso seja necessário), possam apagar as marcas que ali deixaram. (Já passei por essa experiência e percebi que era uma bobagem apagar as marcas anteriores, pois ao comprar um livro num sebo, todo marcado com lápis, cansei de usar a borracha na 3ª página; por fim, cansada, contentei-me em usar uma caneta de outra cor, para diferenciar as minhas impressões da leitura).

Manguel (1997) expõe que gosta de guardar seus livros para se lembrar do leitor que já foi, recordar daquela tarde que deixou uma mancha de café bem no meio da página do livro, enfim, cada marca lembrar-lhe-á uma história. Nas entrevistas feitas na Feira do Livro, uma senhora, pós-graduada, com mais de 40 anos, confessou: “Tem vários livros que eu já comprei várias vezes na minha vida, porque são marcos históricos na minha vida”. Na verdade, percebe-se que muitas pessoas se apegam aos objetos por causa das lembranças que estas trazem. Donald A. Norman (2008), no seu livro Design Emocional, ensina que todos nossos objetos preferidos lembram uma história, uma época, um alguém…, e que é justamente por isso que se tornam especiais e únicos.

Quem não passou pela experiência de ler um livro emprestado e não querer mais devolvê-lo? Quando se lê um livro, com este se estabelece uma relação muito forte, principalmente se a leitura é prazerosa e envolvente. Manguel (1997) comenta que quando a história termina, às vezes instala-se em nossa mente um choque de emoções e sentimentos contraditórios, pois ao mesmo tempo em que se fica feliz em saber o final da história, surge um vazio e uma tristeza por não haver mais necessidade de se entrar em contato com aqueles personagens, deixando-nos a mesma sensação de vazio que sentimos quando o nosso melhor amigo vai viajar e talvez não volte mais. Quando, no entanto, o livro está ali na estante, ao alcance das mãos do leitor, bastando apenas um esticar de braço para segurá-lo e lê-lo novamente, é como se fosse possível visitá-lo a qualquer momento e dessa forma sentir e saber que a distância não é tão longa e a saudade não é tão grande. Se ele nunca mais for folhado, será por falta de tempo ou perda de interesse, mas jamais pela ausência do objeto.

Amaury Fernandes (2001, p. 3-4) lamenta que com o capitalismo todas as expressões artísticas tornaram-se objetos de consumo: a música, a arte, o teatro, o cinema, a literatura... o que não pode ser considerado errado, pois todos os artistas precisam sobreviver; no entanto o que ele enxerga como um problema é o pensamento que aflora em muitas pessoas, que passam a ter como objetivo principal o fato de possuir aquele objeto, ou seja, a prioridade passa a ser o sentimento de posse, negligenciando a experiência que poderia ser adquirida com aquela obra de arte, e que deveria ser o objetivo maior.

Como o livro é um objeto que suscita intelectualidade, muitas vezes os decoradores o utilizam para sugerir “cultura” em um ambiente. Não são poucas as histórias de profissionais que compram coleções de livros só para enfeitar o escritório, sem intenção nenhuma de realmente lê-los, ou sequer folhá-los. Também existe o caso dos compradores compulsivos de livros, que se encantam com o objeto, e não resistem à tentação de chamá-lo de seu. O problema, para esse tipo de consumidor, é o tempo, que nem sempre está a favor de tantas leituras. Hoje em dia, a oferta de livros é tão grande, que seria impossível ler todos. A pessoa se vê pressionada a escolher um de cada vez e sempre espera ter feito a melhor escolha. A capa deve servir para atrair o leitor, da mesma forma que a flor, com seu perfume, atrai a abelha que irá espalhar seu pólen. Ela deve mostrar, da maneira mais interessante, as palavras do autor, para que aquele público que se identifique com ela, tendo a percepção do conteúdo da obra, sentindo-se assim atraído e convidado a participar daquela história.

Comportamentos que o livro impõe

O design do livro tem influência no tratamento que a pessoa irá dar a esse objeto adquirido. Se for um livro muito grande, de capa dura, com um design bem elaborado, provavelmente ela irá comprá-lo para enfeitar a sua estante, pois que se torna difícil imaginar alguém levando esse tipo de livro para a cama e lendo-o antes de dormir, ou ainda, lendo-o sentado, uma vez que este é muito pesado para ficar no colo; já se o livro for manuseável, mas com um papel melhor e páginas bonitas, o leitor vai talvez refletir, inclusive, sobre com qual caneta irá marcá-lo e, talvez até compre um marca-texto que combine com o resto da diagramação; por outro lado, se o volume for confeccionado em papel comum, impresso em preto, não haverá uma preocupação maior em como marcá-lo, podendo correr o risco de que utilize primeiro material disponível à sua frente que sirva para ressaltar o que lhe chamou a atenção. Um livro mais caro, encadernado à altura, provavelmente será lido dentro do lar, da biblioteca, estando a salvo das intempéries da rua; já uma brochura barata, um pocket book, pode ter seus cantos amassados por ser carregado em uma bolsa, junto com todos os apetrechos do mundo feminino, por exemplo. Com a popularização dos livros para viagem, o local em que o livro seria lido diferenciou ainda mais a produção dos mesmos. Aqueles que eram projetados para serem lidos em qualquer lugar deveriam ter como primeiro pré-requisito a facilidade de transporte, para que o usuário pudesse carregá-los para onde quer que fosse e, por este motivo, deveriam ser leves, pequenos e baratos. Os livros de viagem têm uma aura de material descartável; eles são comprados juntamente com os biscoitos, para serem igualmente consumidos no caminho. Em alguns lugares do mundo é comum que esses entretenimentos de viagem sejam abandonados nos bancos do metrô quando sua leitura acaba.

A maneira de perceber as coisas

Norman (2008), em seu livro Design Emocional, apresenta os resultados de uma pesquisa feita na década de 1990 por dois pesquisadores japoneses, Masaaki Kurosu e Karori Kashimura, e nela comprovam que objetos atraentes funcionam melhor.

Eles haviam estudado diferentes layouts dos painéis de controle de caixas eletrônicos de banco, sendo que todas as versões de caixa eletrônico eram idênticas em função, no número de botões, e na maneira como operavam. Algumas porém, tinham botões e telas dispostos de maneira atraente, outras não atraentes. Surpresa! Os japoneses descobriram que, na opinião dos usuários, as atraentes eram consideradas mais fáceis de usar. (Norman, 2009, p. 37, grifo meu).

Diante de coisas bonitas as pessoas tendem a se sentir melhores e assim pensam de maneira mais criativa. Se algo dá errado, olham para o entorno e procuram soluções alternativas. Já se a pessoa está tensa ou irritada, costuma repetir a ação errada, conduzindo ao fracasso e a uma irritação ainda maior. Emoções negativas também ajudam a cumprir algumas tarefas, por exemplo, quando temos pouco prazo para realizar um trabalho, a tensão e ansiedade aumentam a capacidade de focalizar a atenção naquilo que deve ser feito.

Ao contrário do que sempre se ouviu falar, que uma pessoal é racional ou é emocional, essas duas maneiras de pensar fundem-se em nosso cérebro e uma não trabalha sem a outra. Norman (2008) identifica três níveis de atuação sobre o emocional: o nível visceral, o comportamental e o reflexivo. “Esses três níveis operam entrelaçados e são identificados na nossa reação aos objetos, podendo 'ser mapeados em termos de características de produto', como sugere Norman” (Damazio, Vera; Mont'Avão, Cláudia. Apud Norman. 2008, p. 14).

O nível visceral é o da resposta imediata, é ele que julga os valores, analisa se a situação é boa ou ruim, se é perigosa e se o corpo deve se manter alerta ou se pode relaxar e aproveitar porque não têm ameaças no entorno. O nível visceral sente as coisas e o reflexivo as processa e as explica. No caso do objeto livro, o nível visceral é estimulado no momento em que a pessoa olha a capa do volume; nesse primeiro momento é que ela vai decidir se gostou ou não e se o conteúdo interno pode vir a ser interessante. Uma pessoa que não tem emoções, como as do estudo do neurocientista Antonio Damasio (Norman, 2008, p. 32), é incapaz de tomar certas decisões que só dependem de sua vontade; por exemplo, se prefere ir ao cinema na terça ou na segunda-feira, pois nesse caso nenhuma resposta é melhor que a outra, não existe lógica para afirmar que a terça seria melhor que a segunda. O visceral também envia sinais para o nível comportamental. Assim, não é a toa que nossa conduta muda quando estamos nervosos ou ansiosos, pois todo nosso corpo responde aos impulsos do emocional.

Segundo Norman (2008, p. 43), o nível comportamental não é consciente, por isso podemos conversar ou ouvir música enquanto dirigimos ou andamos de bicicleta, por exemplo. Como ele não é percebido conscientemente pelo indivíduo, muitos nem reparam que estão folhando a página ao lerem o livro, seu foco principal está na história, mas o tato, o virar das páginas influencia na sua percepção. Por exemplo, os livros para as crianças e adolescentes não possuem um corpo de letra maior do que para os adultos por serem destinada a leitores iniciantes, e sim para que haja menos texto em cada página, fazendo-os folhearem as páginas mais seguido e, consequentemente, dando ao leitor a sensação de estar “devorando” o livro. Dessa forma, este não ficará entediado pela falta de movimento. Muitos músicos mantêm conversas enquanto tocam, pois seus dedos agem automaticamente e quando se perdem na melodia, precisam ouvir a si mesmos tocando “para descobrir em que trecho estão, ou seja, o nível reflexivo foi perdido, mas o comportamental funcionou muito bem” (Norman, 2008, p. 43).

O nível reflexivo está intrinsecamente ligado aos valores culturais, à vivência de cada um e suas lembranças. São respostas às convenções aprendidas na sociedade em que se vive; a essência do nível reflexivo “está na mente do observador” (Norman, 2008, p. 111). Ele também está muito ligado à autoimagem. Os objetos que são escolhidos por alguém dizem muito sobre essa pessoa. Portanto se suas preferências de consumo são um relógio caro ou uma bolsa artesanal ou, ainda, se não compra produtos testados em animais etc, isto tudo irá definir sua forma de ser e ver o mundo. Consequentemente estará demonstrando seus conceitos e se inserindo num determinado grupo que também prefere essas opções. Essas são decisões reflexivas e formam uma autoimagem.

Dentro do mundo editorial, o nível reflexivo atua obviamente quando se medita sobre o que se leu, mas não é só aí que este se manifesta. Está presente também quando se lê um volume porque todo mundo está lendo, quando se compra um belo livro para exibir na estante, ou quando prefere-se esconder o livro a fim de evitar algumas interpretações a respeito de sua personalidade.

Algumas vezes, um nível desafia o outro. Norman dá o exemplo da montanha-russa, onde ao olhar o brinquedo o nível visceral sente medo e alerta o cérebro de que não é um bom local para se ir, mas o reflexivo manda sinais afirmando que não tem perigo, que tudo está sob controle, que não passa de uma brincadeira.

De acordo com a história evolucionária do ser humano, já nascemos pré-dispostos a gostar ou não de uma série de coisas e isso nos ajudou a sobrevivermos. “A vantagem que seres humanos têm sobre os animais é nosso poderoso nível reflexivo que nos permite superar os ditames do nível visceral, puramente biológico” (Norman, 2008, p. 51). Por exemplo, nascemos pré-dispostos a gostar de sabores e cheiros doces, objetos arredondados e lisos e pessoas atraentes, da mesma forma que não seríamos atraídos por sabores amargos, objetos pontiagudos e sons estridentes abruptos. Essas características ajudaram na sobrevivência humana e estão localizadas no sensor visceral, mas o ser humano não é tão simples assim, podemos aprender a gostar de sabores amargos e objetos pontiagudos e ainda achar beleza em coisas feias. “A atratividade é um fenômeno de nível visceral (…) a beleza examina por baixo da superfície,(…) ela é influenciada pelo conhecimento, pelo aprendizado e pela cultura” (Norman, 2008, p. 111). A aceitação de um objeto envolve vários fatores, e às vezes, “as deficiências de um aspecto podem ser superadas pelos pontos fortes de outro” (Norman, 2008, p. 111).

A missão impossível no mundo do design seria projetar algo que agradasse o mundo todo. O ser humano é muito complexo e uma pessoa é diferente da outra e, para complicar mais ainda a vida dos designers, a mesma pessoa pode se comportar de forma diferente dependendo do momento em que vive. Por exemplo, se estiver feliz irá preferir A, caso contrário odiará A e amará B. O profissional criador de objetos tem que aprender a lidar com isso e é por essa razão que hoje em dia os produtos são projetados para serem direcionados a determinado um grupo de pessoas em vez de abranger um público geral, já que “a aceitação de uma pessoa é a rejeição de outra” (Norman, 2008, p. 53).

O que as pessoas pensam na hora de escolher um livro

No segundo dia da 37ª Feira do Livro da cidade de Pelotas/RS, em 1° de novembro de 2009, foram realizadas 40 entrevistas com homens e mulheres na faixa etária entre 17 e 92 anos. Os entrevistados possuíam escolaridade variada, desde ensino médio incompleto até pós-graduação. O objetivo da entrevista era levantar dados sobre o que levava os leitores a adquirirem um exemplar, quais os ícones do livro que serviam de estímulo à aquisição de uma e não de outra história.

Como já era esperado, as respostas foram bem variadas tanto para aqueles que leem muito quanto para os que não têm tanto interesse em abstrair em uma leitura. Dos 40 entrevistados, uma senhora alegou que seu tempo de leitura já havia passado, seus olhos já não a ajudavam mais a ler. Além das respostas dessa senhora, as de uma adolescente também foi desconsiderada para este levantamento de dados, pois ela alegou não gostar de ler. Dos que responderam a maioria das perguntas, 13 liam até 3 livros por ano, 26 consumiam mais de 3 livros por ano e alguns chegavam a ler de 1 a 2 exemplares por mês. Para facilitar a diferenciação dos grupos chamarei de grupo A os que liam pouco, e grupo B os que liam mais de 3 livros por ano.

Para as pessoas que liam pouco, o que mais chamaria a atenção na hora de escolher um livro seria o título (58,3%) e levariam em conta ainda alguma indicação de amigo ou da mídia (33,3%); já para aqueles que estão mais acostumados a ler, o mais importante é o assunto do livro, sobre o que ele fala (44%) e, além disso, consideram que a indicação da leitura também aumenta a segurança no momento da escolha (28%) assim como também é um fator decisivo o autor que escreve a obra (28%). Percebeu-se, que para alguns entrevistados, outros fatores preliminares à aquisição do livro são considerados, como o tipo de papel, o índice da obra, a resenha que consta no próprio livro ou em outros meios (revistas, internet) e, ainda, o tipo de linguagem que o texto oferece. Várias pessoas responderam mais de um item, ressaltando a importância do conjunto da obra.

Dos dois grupos destacados, apenas 16% de cada um respondeu espontaneamente que a capa era um fator importante na sua opção. A maior parte dos entrevistados confundia a capa em seu todo com o título, pois o significado deste tem um peso tão grande para as pessoas que elas não se davam conta de que a maneira que ele possa ser apresentado teria influência em sua percepção. Para elas o título diz mais sobre a obra do que a capa. Durante a conversa elas admitiam, salvo algumas exceções, que seria a capa que as levava ao livro, mas se o assunto não interessasse, elas não comprariam apenas porque a capa as encantou.

Ao serem interrogadas se já haviam sido levadas a comprar um livro por causa de sua capa, 25% do grupo A e 36% do grupo B respondeu que pelo menos uma vez a capa teve grande influência em sua decisão de compra. Um pouco mais da metade de cada grupo afirmou que jamais havia comprado um volume por sua capa, ou pelo menos que esta não foi tão relevante a ponto de fazer parte de sua memória. Uma coisa que se notou na maneira das pessoas responderem é que existe certo preconceito quanto a julgar um livro pela capa. Elas insistiam em frisar que só se interessavam pelo conteúdo, como se tivessem medo de parecerem supérfluas ao admitirem que também apreciavam uma boa capa.

Além disso, foi foco da pesquisa saber se antes de adquirirem um exemplar, a parte de dentro do livro era observada. Para essa questão 66,6% do grupo A disse que sim e 8,3% pronunciou que não; sendo que no grupo B, 52% deu resposta positiva e 36% negativa. No grupo A a maioria das pessoas olhava dentro para ler apenas um pedaço da história, no grupo B 53% para ver o design e igualmente 53% para ver a história. Algumas pessoas observavam os dois quesitos, outras se informavam sobre a história na contracapa e dentro observavam a entrelinha, o tamanho da letra, etc, pensando no futuro exercício da leitura e buscando ver a qualidade do material que iriam adquirir.

Em várias questões houve opiniões muito divergentes, por exemplo, enquanto uma pessoa reclamava dos livros com letras grandes porque aumentava o número de páginas e o preço do livro, outros não se importavam, porque iam ter menos problemas de visão durante a leitura. Enquanto uma dizia que tinha que olhar dentro porque já tinha mais de 50 anos, e sua visão não era tão boa, outra senhora brincava dizendo: “Eu gosto de desafios.”

Hoje em dia as pessoas estão tão acostumadas a serem cercadas por objetos bonitos e feitos “especialmente” para elas por bons designers, que fica difícil um ou outro se destacar no meio de tantos. No cenário editorial, muitas vezes o preço alto de um exemplar não permite que o indivíduo o escolha entre outros, mesmo este sendo mais agradável esteticamente. Obviamente o conteúdo do livro é mais importante que sua diagramação e, se este for realmente interessante para seu leitor, ele irá consumi-lo independente de ser uma leitura de difícil visualização. Apesar de poucos leitores repararem na diagramação interna na hora da compra, esses detalhes que a compõe merecem a atenção dos designers, pois mesmo sem ser notada, intrinsecamente, esta auxilia na experiência da leitura. Ademais está provado por pesquisas que os seres humanos preferem adquirir coisas bonitas, como foi comentado anteriormente.

Se a pessoa tem vontade de ler, ela não precisa ser estimulada por capas e entrelinhas generosas. Entretanto, quando se está em dúvida entre ver televisão ou ler um livro, se este último não for atraente? se a capa estiver danificada ou mal feita, se a letra for muito pesada...? a pessoa vai adiando a leitura, e, mesmo que o texto seja envolvente, ele não é descoberto e o indivíduo acaba optando pela televisão.

| TEXTO INTEGRAL |

© Thaís Cristina Martino Sehn, 2009.
Texto gentilmente cedido pela autora
Imagens: Escritório do Livro


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